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Bispo Eurico, de Vila Cabral, a PIDE, a FRELIMO e o garrafão de vinho

Desde muito cedo e ainda Padre, Eurico tinha problemas com a PIDE. As suas cartas para o Bispo do Porto eram fotocopiadas e constam da acusação, deste homem polémico, também licenciado em Direito. Segundo o depoimento de D. Eurico, logo que pôde foi levar um pedido de um amigo para ver se seu filho se encontrava bem. Era alferes em Marrupa, o rapaz, disse-lhe que estava ali apenas para matar pretos. O Bispo ficou horrorizado e descobriu onde estava metido.

Chegou a Vila Cabral (atual Lichinga) em 1964 e saiu em 1972. O primeiro bispo desta diocese. Cedo se apercebeu dos problemas da guerra. Na sua diocese houve o chamado fuzilamento de Massangulo em Outubro de 1966. A tropa cercou uma povoação e fuzilou 8 homens em frente da população e regaram os corpos com gasolina e fizeram dos corpos uma fogueira. Depois não permitiram que ninguém se aproximasse para que as feras pudessem comer os restos.

Os missionários trabalhavam com a população estivesse ela do lado da FRELIMO ou sob controlo das tropas. O relacionamento com os capelões militares (pagos como oficiais das forças armadas) ali em serviço sempre foram boas e colaboravam com a Diocese e as missões.

Nada se sabia, era tudo filtrado pela PIDE, os militares não abriam a boca e depois certos sectores acusavam a Igreja do silêncio.

Este bispo esteve solidário com o Bispo Resende quando o acusaram de subversivo e fecharam o seu «Notícias da Beira». E, mais tarde, foi solidário com os padres de Macuti da Beira, presos pela PIDE por denunciarem os massacres de Mukumbura onde foram destruídas habitações e aniquilado um grupo de 10 pessoas entre mulheres e crianças, todas foram obrigadas a entrar para dentro de uma palhota para onde foram lançadas granadas contra elas para incendiar as palhotas e queimar vivas as pessoas.

De entre os amigos do Bispo constava-se o Sr. Brás Costa, um português fazendeiro, para o qual trabalhava gente afecta à FRELIMO e em consequência disso a PIDE enviou-lhe uma bomba e ele ficou sem as mãos e pôs às portas da morte o sr. Oliveira gerente da pousada.

Este Bispo escreveu em Setembro de 1966 a carta fraterna dirigida aos muçulmanos, e em 15 de Maio de 1972, os chefes muçulmanos do Niassa, em carta dirigida a Paulo VI, pediam que o Bispo continuasse na diocese e terminaram dizendo “que Alá esteja com o Sr. Papa Paulo”.

O Bispo estava rodeado de gente progressista na qual se incluíam o Eng.º Madureira e diversos missionários como o Padre Camejo, sempre ansioso por gestos aventureiros e de risco e do Padre Mário Teruzzi, do Cobué. O Governo Colonial queria expulsar os missionários, fechar missões por isso muitos chefes locais passaram a aderir à FRELIMO. Os guerrilheiros escreveram ao Bispo e este respondeu ao chefe de base do Catur, Sebastião Mabote. Este pediu-lhe livros e dinheiro do Malawi e certo dia até pediu-lhe um garrafão de vinho e um bacalhau.

A PIDE, presente na última intervenção do Bispo sobre a Igreja e a Política, no seu relatório que está nos Arquivos da Torre do Tombo, relatou que houve um violento ataque às forças policiais, claramente visando a nossa corporação sem que contudo a nomeasse. A PIDE no seu relatório diz que o Bispo, valendo-se mais uma vez da sua posição e do facto de poder falar em público sem ser contestado, lançou do Altar para baixo todo ódio que o consumia.