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Likes, dopamina e bem-estar

O impacto do uso excessivo de tecnologia, redes sociais, drogas e outras adições no sistema de recompensa cerebral, e consequentemente na saúde mental e bem-estar, preocupa cada vez mais as sociedades contemporâneas.

No livro “Dopamine Nation”, a psiquiatra Anna Lembke explora o papel crítico do neurotransmissor dopamina na regulação das emoções e na busca do prazer e recompensa, e de como a exposição repetida e intensa a estímulos que desencadeiam a sua libertação, pode levar a um desequilíbrio no sistema dopaminérgico, e a um ciclo vicioso de busca contínua por prazeres e recompensas imediatas, e mais intensas.

Como exemplo, o uso excessivo de tecnologia e redes sociais, a constante e compulsiva procura por notificações, assim como pela validação social online, podem modelar e adaptar neuroquimicamente o sistema de recompensa cerebral, de forma semelhante a drogas ou jogos de azar, resultando no aumento do limiar de ativação do prazer, o que significa precisarmos de quantidades maiores ou mais intensas da substância ou atividade, para obter a mesma sensação e aliviar a sensação de privação, levando à dependência, e à diminuição na satisfação em outras atividades do dia a dia. A diferença é que esta é uma dependência socialmente e levianamente aceite. “Todos” o fazemos, e de alguma forma estamos juntos nisto.

Vários fatores têm sido discutidos como concorrentes para este estado de coisas: o conforto material e o sucesso económico do ocidente permitiu o acesso a uma gama diversificada de tecnologia e entretenimento, e variados grupos económicos, destacando-se as “big tech”, capitalizam a todo o custo a busca por prazer instantâneo, com modelos de negócios baseados em publicidade e recolha de dados pessoais, como bem explana Shoshana Zuboff, no seu livro “A era do capitalismo de vigilância”. Aprimoram produtos e serviços altamente viciantes que estimulam o sistema cerebral de recompensa, utilizando algoritmos e design de produtos para maximizar a libertação de dopamina e conectar as pessoas o maior tempo possível, com objetivo principal manter os usuários “ligados”, consumindo e engajados, com inevitáveis repercussões.

Aponta-se também a crise e questionamento de valores da sociedade “ocidental”, falta de padrões morais claros e universais, onde as noções de moralidade, ética e propósito são questionadas, e muitas vezes substituídas por uma cultura de gratificação instantânea, materialista e de busca incessante pelo prazer e felicidade individual, em que cada indivíduo procura satisfazer os seus próprios desejos acima de tudo, e onde a tecnologia, redes sociais e adições são muitas vezes utilizadas como via para a satisfação imediata.

É importante salientar que estes fatores não são determinísticos. Ainda temos a capacidade de fazer escolhas conscientes e encontrar um equilíbrio saudável na nossa vida, refletir sobre os nossos valores pessoais, estabelecer limites saudáveis no uso de tecnologia e redes sociais, procurar atividades e relacionamentos significativos, e conceber a gratificação e o bem-estar não apenas fruto de rápidos gatilhos estímulo-recompensa, mas discernindo a importância de escapar a certas armadilhas e tomar decisões que possam trazer recompensas mais duradouras e equilibradas no futuro.