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Se é para ir para o Mar, avie-se em terra!

É um aviso válido para todos, inclusive, e acima de tudo, para o Governo da República…

Sou madeirense, e como todos, ou quase todos, os madeirenses, vivo a proximidade do Mar de uma forma muito intensa e, sempre que posso, aproximo-me dele para recuperar as energias e para ampliar o capital de esperança.

Assim, e na sequência do meu interesse geral em diversos temas regionais onde se inclui o Mar, a minha participação desta semana no plenário da Assembleia da República a convite do PSD nacional no âmbito dos debates sectoriais com o Governo da República, desta feita sobre a Economia com a presença do Senhor Ministro da Economia e do Mar, Professor Doutor António Costa e Silva, fez-me ter uma perceção mais concreta da realidade em que vivemos no que concerne ao tema Mar, a área que abordei.

A primeira certeza com que ficamos é que apesar do assunto Mar estar “na moda”, de ser um desígnio e uma aposta nacional que deverá tirar partido da extensa linha de costa do País com 2500 km, do facto de Portugal ter uma Zona Económica Exclusiva com a área marítima 18 vezes superior à superfície terrestre e que, no futuro, com a possibilidade de extensão da Plataforma Continental, poderá ser muito, muito ampliada e do facto de 48% da totalidade de águas marinhas na União Europeia estar no triângulo: Continente Açores e Madeira, um aspeto de relevância estratégica que impacta no posicionamento internacional de Portugal, na prática, e em terra, a gestão desse dossier é demasiado complexa e está presa a um emaranhado legislativo e burocrático.

Então vejamos. A orgânica deste XXIII Governo, e no que ao Mar diz respeito, que revela bem o “modus operandi” socialista de agradar a todos e de dar um “poucochinho” a cada um, de não assumir uma estratégia no médio e longo prazo e de não fazer reformas, apresenta para o Ministério da Economia e do Mar a coordenação transversal dos assuntos do Mar e refere que o titular da pasta dirige sozinho três estruturas, a saber a Direção-Geral de Política do Mar, a Comissão Técnica do Registo Internacional de Navios da Madeira e a Comissão Interministerial para os Assuntos do Mar.

Contudo, o Ministro dessa área tem a gestão ou a coordenação cruzada de treze estruturas com oito outros Ministérios o que obriga a vinte e duas, repito vinte e duas, conexões com outros ministérios sobre o domínio do Mar.

A título de exemplo, refira-se que só o IPMA – Instituto Português do Mar e da Atmosfera – tem quatro tutelas – Ministério da Economia, da Agricultura, da Ciência e do Ambiente – e ainda assim, ninguém lhe valeu para garantir a acostagem do navio “Mário Ruivo” pois o navio foi, pura e simplesmente “corrido” do espaço da Marinha que ocupava…

Face ao exposto cada um percebe que, apesar do esforço e da vontade pessoal do Professor Doutor António Costa e Silva, o Mar é ingovernável em terra.

Perante isso não admira que os múltiplos atores desta área – educação, ciência e tecnologia, defesa e proteção, pesca e indústria do pescado, recreio, desporto, turismo e cultura, energia, portos, transportes e logística, oceanografia e atmosfera, agricultura e obras marítimas – se sintam perdidos neste grande e desorganizado ecossistema.

E também não admira que não existam respostas nem compromissos concretos quanto a diferentes questões que são partilhadas por distintos participantes no sistema tais como, e apenas a título exemplificativo:

- Como é possível que a conta Satélite do Mar tenha “afundado” em 2018?

- Como é possível que os licenciamentos para empresas que pretendam investir em Portugal na exploração dos recursos marinhos levem anos e que existam pareceres dados por diferentes entidades do Estado, particularmente no âmbito marinho-marítimo, que se contradigam?

- Como é possível que não exista um repositório de dados centralizado dos recursos marinhos e marítimos portugueses cuja obtenção foi financiada por recursos públicos?

- Como é possível que – e a exemplo do que acontece noutros países como Espanha, França, Alemanha e Bélgica - a gestão centralizada e a disponibilização dos meios flutuantes existentes à comunidade científica portuguesa e que esta tenha que, individualmente e a suas expensas, suportar os custos com aluguer de navios científicos?

Perante este estado, urge proceder a uma reorganização de toda a área estratégica do Mar em Portugal e dotar a mesma de força política, de capacidade efetiva de liderança mono céfala e de recursos financeiros que permitam transformar a propaganda socialista em resultados.

A par disto, e porque 83% da Zona Económica Exclusiva do País está concentrada nas suas duas Regiões Autónomas – Madeira e Açores – e até porque por decisão do Governo Regional 89% do mar da Madeira tem estatuto de proteção, urge envolver as duas Regiões na gestão do seu património, e ultrapassar a visão centralista do Tribunal Constitucional que recentemente vetou às Regiões a capacidade da gestão partilhada dos seus recursos naturais onde se inclui o Mar.

Há mar e mar mas ainda há muito que fazer em terra.