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Saiba como denunciar situações de corrupção

Hoje assinala-se o Dia Internacional Contra a Corrupção

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A data foi instituída pela ONU no dia 9 de Novembro de 2003, quando foi assinada a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, que entrou em vigor em 2005. O objectivo é consciencializar sobre a corrupção a nível mundial

As comemorações do Dia Internacional Contra a Corrupção decorrem, este ano, "com um Governo demitido por suspeitas de tráfico de influências envolvendo o chefe de gabinete e o melhor amigo do primeiro-ministro, e com o próprio Presidente da República envolvido num caso suspeito de favorecimento, em resposta a um pedido do seu próprio filho", conforme aponta a Associação Frente Cívica.

O Dia Internacional contra a Corrupção coincide também com o 20.º aniversário da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, que abrange cinco áreas: prevenção da corrupção, criminalização da corrupção e actuação do sistema judicial, cooperação internacional, recuperação de activos e assistência técnica e troca de informação. Para qualquer uma delas, a organização da sociedade civil que faz o escrutínio dos poderes públicos entende que 2023 é demonstrativo do "fracasso do Estado português".

Ainda assim, em declarações à Agência Lusa, João Paulo Batalha, vice-presidente da Frente Cívica, salienta, que "poucos governos terão legislado tanto em matéria de corrupção como os três Governos de António Costa", lembrando que foi criada uma Estratégia Nacional Anticorrupção, um novo regime de exercício de funções políticas e de altos cargos públicos, códigos de conduta para governantes e deputados, um questionário de avaliação de idoneidade de governantes à entrada do cargo, novas instituições como o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC) e a Entidade da Transparência.

A Direcção-Geral da Política de Justiça (DGPJ) do Ministério da Justiça clarifica o que prevê a legislação nacional nesta matéria, bem como a forma de denunciar eventuais situações de corrupção.

O que é corrupção?

Segundo a Direcção-Geral da Política de Justiça (DGPJ) do Ministério da Justiça, genericamente fala-se em corrupção "quando uma pessoa, que ocupa uma posição dominante, aceita receber uma vantagem indevida em troca da prestação de um serviço".

O crime de corrupção implica a conjugação dos seguintes quatro elementos:

  • uma acção ou omissão;
  • a prática de um acto lícito ou ilícito;
  • a contrapartida de uma vantagem indevida;
  • para o próprio ou para terceiro.

Tipos de corrupção

A corrupção pode ser activa ou passiva, dependendo se a acção ou omissão for praticada pela pessoa que corrompe ou pela pessoa que se deixa corromper.

Assim, pratica um crime de corrupção activa "a pessoa que, directamente ou através de outra pessoa, para seu benefício ou para benefício de outra pessoa, faz uma oferta, promessa ou propõe um benefício de qualquer natureza, em troca de um favor".

Por outro lado, pratica o crime de corrupção passiva, "a pessoa que aceita receber dinheiro ou outro benefício de qualquer natureza, para cumprir ou omitir certos actos".

Se a oferta ou promessa de benefício for feita a um funcionário público, para que este "cumpra ou se abstenha de cumprir um determinado acto", fala-se de corrupção pública activa. Já o funcionário público que "pede, aceita ou recebe, directamente ou através de outra pessoa, para si ou para benefício de outra pessoa, oferta, promessa ou benefício de qualquer natureza para cumprir ou se abster de cumprir um determinado acto", pratica um crime de corrupção pública passiva.

"O elemento determinante no crime de corrupção é o elo de ligação entre aquilo que é prometido ou entregue e o objectivo que se pretende alcançar, a saber a adopção de um determinado comportamento", salienta DGPJ.

Existe corrupção, mesmo que o acto (ou a sua ausência), seja ou não legítimo no quadro das funções desempenhadas pelo interessado, não se tenha realizado. O acto unilateral de oferecer, dar, solicitar ou receber uma vantagem, é suficiente para existir corrupção. O acordo entre as partes constitui uma circunstância agravante do crime. Da mesma forma existe corrupção qualquer que seja a natureza ou o valor do benefício.

"A corrupção será para acto lícito se o acto ou omissão não for contrário aos deveres de quem é corrompido, caso haja violação desses deveres, então trata-se de corrupção para acto ilícito", acrescenta a DGPJ.

Legislação nacional

Código Penal prevê, no Título V (Dos crimes contra o Estado), não só o crime de corrupção, mas também todo um conjunto de crimes conexos "igualmente prejudiciais ao bom funcionamento das instituições e dos mercados". O elemento comum a todos estes crimes é a obtenção de uma vantagem (ou compensação) não devida.

Assim, no Capítulo IV (Dos crimes cometidos no exercício de funções públicas), nos artigos 372.º a 374.º-B, são previstos e punidos os crimes de recebimento ou oferta indevidos de vantagem e corrupção (passiva e activa), bem como as condições de agravamento ou atenuação das penas previstas.

Além destes, estão ainda previstos os seguintes crimes conexos: peculato (artigo 375.º), peculato de uso (artigo 376.º), participação económica em negócio (artigo 377.º), concussão (artigo 379.º) e abuso de poder (artigo 382.º). Também se devem referir os crimes de tráfico de influências (artigo 335.º) e de administração danosa no sector público ou cooperativo (artigo 235.º).

O combate à corrupção é feito também em diversa legislação avulsa, a saber:

  • Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, define os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos ou de altos cargos públicos, em especial o recebimento indevido de vantagem (artigo 16.º), a corrupção activa e passiva (artigos 17.º e 18.º), o peculato (artigos 20.º a 22.º), a participação económica em negócio (artigo 23.º) e o abuso de poder (artigo 26.º).
  • Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, que aprova o regime geral das infracções tributárias, refere a corrupção como circunstância agravante nos crimes aduaneiros (al. d do artigo 97.º), nos crimes fiscais (als. c e d do artigo 104.º) e nos crimes contra a segurança social (artigo 106.º, n.º 3).
  • Lei n.º 50/2007, de 31 de Agosto, estabelece um novo regime de responsabilidade penal por comportamentos susceptíveis de afetar a verdade, a lealdade e a correcção da competição e do seu resultado na actividade desportiva, em especial a corrupção passiva e activa (artigos 8.º e 9.º), o tráfico de influências (artigo 10.º) e a associação criminosa (artigo 11.º).
  • Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, que aprova o Código dos Contratos Públicos, estabelecendo a disciplina aplicável à contratação pública, determina a impossibilidade de serem candidatos, concorrentes ou integrar qualquer agrupamento, as entidades que tenham sido condenadas por sentença transitada em julgado pelo crime de corrupção (artigo 55.º).
  • Lei n.º 20/2008, de 21 de Abril, cria o novo regime penal de corrupção no comércio internacional e no setor privado, em especial a corrupção activa com prejuízo do comércio internacional (artigo 7.º) e a corrupção activa e passiva no sector privado (artigos 8.º e 9.º).

No âmbito do direito processual penal, além das normas gerais previstas no Código de Processo Penal sobre os meios de prova, meios de obtenção de prova e realização do inquérito, existe também legislação avulsa especificamente aplicada no combate ao crime de corrupção.

  • Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro, que definiu medidas de combate à corrupção e criminalidade económica e financeira, prevendo medidas e instrumentos susceptíveis de garantirem uma acção mais eficaz a nível da prevenção e da repressão deste tipo de criminalidade.
  • Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, estabelece novas medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira. Introduziu mecanismos de investigação e de repressão mais eficazes estabelecendo medidas especiais em matéria de derrogação do segredo fiscal e das entidades financeiras, de registo de voz e imagem enquanto meio de prova e de perda em favor do Estado das vantagens do crime.
  • Lei n.º 93/99, de 14 de Julho, que regula a aplicação de medidas para protecção de testemunhas em processo penal, refere o crime de corrupção e crimes conexos como uma das condições para a não revelação da identidade da testemunha (artigo 16.º).
  • Lei n.º 101/2001, de 25 de Agosto, que aprova o regime jurídico das acções encobertas para fins de prevenção e investigação criminal, veio dar mais possibilidades legais para a obtenção de prova, estabelecendo a admissibilidade de acções encobertas no âmbito da prevenção e repressão dos crimes de corrupção, peculato, participação económica em negócio e tráfico de influências.
  • Lei n.º 49/2008, de 27 de Agosto, que aprova a Lei de Organização da Investigação Criminal, refere que é da competência reservada da Polícia Judiciária, não podendo ser deferida a outros órgãos de polícia criminal, a investigação, entre outros, dos crimes de tráfico de influência, corrupção, peculato e participação económica em negócio, bem como de crimes com estes conexos (artigo 7.º). Por sua vez a Lei Orgânica da Polícia Judiciária (Lei n.º 37/2008, de 6 de agosto) prevê a criação da Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) com competências em matéria de prevenção, detecção, investigação criminal e a coadjuvação das autoridades judiciárias relativamente aos crimes de corrupção, peculato, tráfico de influências e participação económica em negócio.
  • Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de Dezembro, que cria o Mecanismo Nacional Anticorrupção e estabelece o regime geral de prevenção da corrupção.
  • Lei n.º 93/2021, de 20 de Dezembro, que estabelece o regime geral de protecção de denunciantes de infracções, transpondo a Directiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro de 2019, relativa à protecção das pessoas que denunciam violações do direito da União.

Denunciar situações de corrupção

"Qualquer situação de corrupção deve ser denunciada à Polícia Judiciária, ao Ministério Público ou a qualquer outra autoridade judicial ou policial", alerta a DGPJ.

A denúncia pode ser feita de forma oral, por escrito ou através do formulário electrónico disponível no portal da Procuradoria-Geral da República. Utilize este formulário para denunciar qualquer suspeita da prática de actos de corrupção por qualquer funcionário ou agente da DGPJ.

Em qualquer caso, a denúncia é transmitida ao Ministério Público, registada e o denunciante pode requerer um certificado do registo da denúncia.

Se a suspeita de prática de atos de corrupção recair sobre funcionários ou agentes da Administração Pública, a infracção é passível de dupla responsabilidade - penal e disciplinar.

A denúncia é obrigatoriamente reportada ao superior hierárquico, que deverá iniciar os procedimentos para instaurar um processo disciplinar, dando conhecimento ao Ministério Público dos factos que possam ser considerados crime.

Um cidadão que faça uma denúncia de corrupção pode beneficiar, na qualidade de testemunha, das medidas de protecção em processo penal (ex.: ocultação de imagem, distorção de voz; testemunho por teleconferência, não revelação de identidade; integração em programas especiais de segurança) "quando a sua vida, integridade física ou psíquica, liberdade ou bens patrimoniais de valor consideravelmente elevado sejam postos em perigo por causa do seu contributo para a prova dos factos objecto do processo". Estas medidas são aplicáveis tanto ao denunciante, como aos seus familiares ou outras pessoas que lhe sejam próximas.