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Oh, Marcelo, preciso de um padrinho…

Sentir compaixão por aqueles que não tendo proximidade com pessoas de poder, passam por situações complicadas

O nosso Presidente da República está envolto numa polémica de influência no tratamento de 2 meninas luso-brasileiras que sofrem de atrofia muscular espinhal.

O “Presidente dos afetos”, “exemplar” na sua interpretação da lei, “neutro” nas intervenções, e “mediador” para as demissões de políticos arguidos em processos de corrupção, peculato e/ou influência no exercício de funções governativas, está agora, também ele, envolto numa trama que começou por ter as baterias dirigidas somente a ele e ao facto das meninas serem brasileiras.

Depois de alguns esclarecimentos iniciais, percebemos que as meninas, apesar de viverem no Brasil, são também cidadãs portuguesas. E não há cidadãos de primeira e cidadãos de segunda. A partir do momento que um cidadão, tenha ou não nascido em Portugal, que viva ou não em Portugal, obtém a nacionalidade portuguesa, deve ser tratado como qualquer outro cidadão português. Não há cidadãos portugueses de “gema” com direitos privilegiados. Todos devemos ter consciência que a atribuição de cidadania portuguesa concede direitos. O que precisamos, talvez, é de começar a ter consciência da necessidade de exigir maior rigor e cuidado nos processos de atribuição de cidadania portuguesa. E, um qualquer cidadão português tem direito a ser assistido no Serviço Nacional de Saúde. O real acesso à saúde de tantos portugueses e as fragilidades do nosso serviço de saúde deveriam ser as questões centrais da polémica.

Com os esclarecimentos vindos a público, ficamos a saber que a trama envolve o filho do Presidente da República. Ora, à mulher de César não basta ser séria, tem também de parecer séria. Um político não pode ser ingénuo e pensar que só a ele basta ter uma conduta correta com integridade, honestidade e retidão. A família mais próxima precisa, também ela, de acompanhar o político na lisura de comportamentos. Não pode ser envolvida em polémicas, sob pena de manchar a imagem do político.

Ora, o filho apela ao pai, que informa ao governo (como qualquer outro caso, diz o Presidente) da necessidade de intervenção do Governo. Portanto, quem tiver um problema sério a resolver e que esteja a demorar para resolver, aconselha-se a que escreva ao Presidente da República para que sirva de intermediário para uma resolução mais célere. Esta é uma das possíveis conclusões que podemos tirar do caso. Poderá também, talvez, usar o subterfúgio de divulgar que é afilhado de Marcelo para que portas sejam abertas. Um caso a pensar.

Apesar de Marcelo Rebelo de Sousa, nuns esclarecimentos posteriores parecer dar umas “palmadas” no filho que escreveu mails e desencadeou uma resposta positiva do Governo da República, está a parecer-me que o Senhor Presidente da República, na verdade, comoveu-se com a história das meninas. E quis ajudar. Porque na verdade, para que serve o poder público senão para resolver os problemas das pessoas?

O poder deve servir para ajudar as pessoas e não para engendrar vinganças pessoais. Nelson Mandela teve o seu reconhecimento político ampliado, inclusive recebeu o Prémio Nobel da Paz, porque quando chegou ao poder, não usou o poder que tinha para se vingar dos que lhe tinham perseguido.

Não critico a influência dos que, tendo poder, usem os cargos públicos ajudar as pessoas. Mas, se isto é verdade, também não deixo de sentir compaixão por aqueles que não tendo proximidade com pessoas de poder, passam por situações complicadas e que precisam de ajuda para resolverem os seus problemas.

Numa entrevista ao médico que denunciou o caso – o dr. António Levy Gomes – é claro a sua indignação pela falta de meios no Serviço Nacional de Saúde para tantos tratamentos de tantas pessoas.

A grande indignação, na verdade, não é o facto de as meninas terem recebido um medicamento que custou ao Estado Português um total de 4 milhões de euros. Porque afinal quanto vale uma vida? O problema é que muitos portugueses ficam à espera de tratamentos que demoram, e, algumas vezes, as situações poderiam resolver-se com muito menos investimento público e não o têm essa oportunidade. O problema é que também não se compreende como é que um tratamento individual chega a custar 2 milhões de euros. As empresas farmacêuticas têm legitimidade para ganhar dinheiro com a investigação que fazem para tratar doenças, mas estes valores são pornográficos. Esta questão deveria ser motivo de reflexão mundial de regulação. Realmente, este mundo tem prioridades trocadas.

Aproxima-se mais um Natal. Que seja de muita saúde para todos! Até 2024!