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Crónicas

O Rol de Governo

1. Disco: sempre tive um gosto especial em ouvir Dolly Parton. Uma espécie de “guilty pleasure”. Mas com este último disco da cantora americana, não me sinto nada culpado. Country-rock do melhor que se pode ouvir. “Rockstar” está cheio de participações: de uma versão fantástica de “Every Breath You Take”, com Sting, passando por “Baby I Love Your Way”, com Peter Frampton, até “Heart of Glass”, com Debbie Harry. Passam também por este longo trabalho Kid Rock, Miley Cyrus, Paul McCartney e Ringo Star, Elton John, e tantos outros. A cereja no topo do bolo é um tributo aos Queen.

2. Livro: “Guerra,” de Louis-Ferdinand Céline, é uma obra que desafia a estrutura convencional da narrativa e mergulha na mente perturbada do seu protagonista, Ferdinand Bardamu, que percorre o cenário pós-Primeira Guerra Mundial. Uma prosa notoriamente densa e fragmentada, incorporando gírias e linguagem coloquial que, e ao contrário do que se poderia pensar, não aligeira o que lê-mos. Uma escrita provocadora, cheia do antissemitismo que tornou Céline num autor maldito. Mas tenhamos presente o momento histórico em que o livro foi escrito antes de renunciarmos à sua leitura.

3. O Programa apresentado esta semana pelo Governo Regional, sustentado pelo PSD, CDS e PAN, deixa muito a desejar. Não passa de uma sucessão de apetites que se repetem a cada quatro anos. Um rol de intenções. E como sabemos, de boas intenções está o inferno cheio. Um exercício preguiçoso que raramente entusiasma.

Sabemos o quem… o Governo Regional. Sabemos o quando… na legislatura que agora arrancou. Sabemos o onde… na Região Autónoma da Madeira. Mas não sabemos as duas coisas mais importantes: o porquê… e o como.

Distingamos sempre o que são políticas de governo do que é programa de governo. Não distinguir uma coisa da outra é um mal crónico. Políticas tem a ver com o que o governo quer, ou não quer fazer. Claro que um Programa de Governo engloba as políticas do mesmo. Mas não se pode ficar só por aí. Querer fazer de políticas um programa de governo é um exagero de forma. Falta-lhe sistematização e interdisciplinaridade.

Usam-se verbos uns atrás dos outros, para mostrar que há muita intenção de acção. Mas fica tudo pela metade. Ele é assegurar, procurar, aumentar, prosseguir, fomentar, estimular, promover, apoiar, delinear, reforçar. Mas não há uma linha sobre como assegurar, como procurar, como aumentar, como prosseguir, como fomentar, como estimular, como promover, como apoiar, como delinear, como reforçar. E nem vale a pena perguntarmos onde estão os “porquês” que justificam a utilização dos verbos.

Muito pouco ficamos a saber sobre o modo como o Governo Regional aspira desenvolver o que lista ou das razões dessa necessidade. Ficaram-se pela metade.

Este programa de governo assenta numa enorme falta de formulação, de planeamento, de design, de processos de implementação, apoiando-se em alguns ganhos, achismos, experimentação sem bases teóricas, ou seja, soluções apoiadas em presunçosas “melhores práticas,” uma espécie de “prêt-à-porter” da governação.

Nem uma palavra sobre corrupção, sobre “amiguismo”, sobre nepotismo e uso do cartão partidário como meio de acesso às sinecuras do poder.

Quando a coleta de impostos nunca foi tão grande, persiste-se em baixá-los às pinguinhas, ao invés de reduzir IRS, em todos os escalões, e o IVA em 30%, conforme permite a Lei das Finanças Regionais.

O dito programa, em quase 200 páginas, fala só 5 vezes em pobreza: o maior problema por onde passa a nossa terra. Em 43.774 palavras, a pobreza tem direito a ser referida apenas 5 vezes.

Sendo a Madeira a região do país onde o risco de pobreza é o mais alto, 30,2%, pobreza que afeta cerca de 70 mil madeirenses, caracterizando-se por rendimentos abaixo dos 6.608 euros anuais, que corresponde a 60% do rendimento monetário líquido por adulto no país, tendo isto em consideração (e havendo muito mais para referir), ficamos sem saber quando pretende o GR atacar as causas da pobreza, ao invés de insistir em minorar os seus efeitos com subsídios, apoios, ajudas e cabazes.

Perante o que atrás foi dito, perante o que foi apresentado como Programa de Governo e que, como já vai escrito, não passa de um rol de intenções, perante o que tivemos a oportunidade de ouvir, por maior que fosse a nossa boa vontade, a única posição que nos restava, em consciência, era votar contra a Moção de Confiança apresentada.

4. No debate do Programa de Governo, referi-me algumas vezes a um dos maiores males de que enferma a Madeira: a pobreza. A Senhora Secretária de Inclusão e Juventude agarrou nos papéis e leu uma longa diatribe sobre o assunto da pobreza.

Mas a sua reacção foi a de cantar um fado. Afinal a pobreza é um destino e não algo a combater nas suas causas. Tratemos, isso sim, dos seus efeitos.

Segundo a responsável governamental por combater a pobreza, esta é uma fatalidade. Considera que os arquipélagos de pequena dimensão enformam desse mal. E por isso há que aceitar as causas que nos levam a termos a pobreza que temos.

O importante não é combater a pobreza criando riqueza. O que importa é alimentar a lista de dependentes, madeirenses sem autonomia e sem soberania, que têm de se sujeitar ao apoio, ao subsídio, ao cabaz, à oferta.

Madeirenses que trabalham e são pobres.

No entanto, os índices de aumento de receitas são brutais, o desenvolvimento maravilhoso. E os pobres em todo o lado a estragar as estatísticas. Uma fatalidade.

E não se pode falar na pobreza. Temos de a esconder. Porque se o fizermos somos demagogos. Usamos a pobreza como arma política.

O governo e o PSD só não falam da pobreza porque têm vergonha na cara, porque ela não os favorece. Porque se tivessem conseguido, em quase 50 anos de autonomia, outro resultado, com certeza que os ouviríamos a fazer o que fazem sempre: a se vangloriar.

Fiquei esclarecido. E preocupado, muito preocupado.

5. As muralhas da cidade, de que restam só pequenos apontamentos, contam a história rica e fascinante da Madeira. Construídas durante o século XVII, como medida defensiva contra possíveis ataques piratas, são testemunhas do passado marítimo e estratégico da região. Hoje, preservam-se como monumentos que não apenas protegiam a cidade, mas também refletem a habilidade arquitetónica da época.

O que se está a fazer na rua Major Reis Gomes, atrás do La Vie, é um atentado. A defesa do património é crucial no preservar a identidade e a herança cultural de uma sociedade. Ao proteger edifícios históricos, monumentos, tradições e artefactos, garantimos que as gerações futuras possam compreender e apreciar a riqueza do passado.

Além do seu valor estético, o património desempenha um papel vital na construção da narrativa coletiva de uma comunidade, promovendo o senso de pertença e continuidade.

A consciencialização e a participação activa na preservação do património são essenciais, assegurando que a história não apenas sobreviva, mas também enriqueça a experiência das gerações vindouras.

Há aí alguém que me consiga explicar isto? O que isto representa em termos da nossa herança patrimonial? Quem autorizou isto? Onde estava a Direção Regional de Cultura e os seus serviços de defesa do património? Em que se apoiou a CM do Funchal para emitir as licenças desta barbaridade?

Vamos ficar todos a olhar e a fingir que não vemos, neste vale tudo menos tirar olhos?

Se não sabemos preservar as nossas raízes, o nosso passado, não somos merecedores da história.

6. Na semana passada, na Assembleia Geral do FC Porto, andaram verdadeiros fascistas à solta. Numa democracia todas as organizações devem sê-lo. Sejam elas quais forem.

Tenho a certeza de que os verdadeiros portistas, os sócios que levam o seu clube no coração, saberão lidar com esta gentalha de pouco valor.

7. Alguma coisa devemos estar a fazer bem, quando passamos a ser merecedores de análises distorcidas de carácter, vindas de todos os lados. Sinal de que o incómodo é grande. Muito obrigado aos anónimos pela deferência.