O regresso da ‘formiga branca’
Multiplicam-se os expedientes que dão cabo da Madeira de qualidade
A ‘formiga branca’ está de volta e em força, assumindo-se como praga urbana de dimensões sociais que importa combater. Não nos referimos às térmitas, também ultimamente activas em larga escala, dando cabo de estruturas de madeira, com maior intensidade sempre que há uma persistência de temperaturas elevadas na Região. Nem a eventuais resquícios da organização semi-clandestina existente na Primeira República, criada para garantir a segurança dos principais líderes democráticos, sendo depois transformada em serviço de polícia política, com “uma rede própria de informadores e de denunciantes e com numerosos operacionais capazes de realizar acções violentas e promover a intimidação dos adversários políticos”.
Mais do que a reles violência aliada às manobras de manutenção dos tachos ou às tentativas de conquista do poder, nota-se na Região, ou no espaço que com esta confina, uma inabilidade política crescente na gestão da agenda mediática, por via do recurso a expedientes que atentam contra uma Madeira de qualidade e exemplar na postura democrática.
Uns tudo fazem para aparecer não importa como, enquanto outros, mesmo dando opiniões, evitam dar a cara. No primeiro poio surgem os que andam à deriva, sem objectividade em diversas matérias de interesse público, pois cresce o número dos sem rumo que se perdem em atalhos quando podiam cerrar fileiras e ir directos aos assuntos. Na polémica em torno do teleférico do Curral das Freiras, uns dizem-se de mãos atadas, outros especulam sobre datas de contratos e quase ninguém fala dos instrumentos legais a que pode recorrer se é que tem coragem para travar aquilo que é questionável, mas que noutras paragens é concebido para gerar atractividade. Será que uns e outros já se esqueceram para que servem as acções populares, as providências cautelares e os referendos locais? Isto de ziguezaguear em plena recta não é bom sinal. Figuras tristes que se repetem na questão da obtenção das cópias dos acordos políticos celebrados entre PSD e CDS e o PSD e o PAN. Um comunicado do Representante da República para a Madeira desmascara a tentativa desesperada de dois deputados da oposição que bateram à porta errada. Ávidos de papelinhos inconsequentes, pois os contornos já tornados públicos e publicados mostram que CDS e PAN são figuras de estilo, mesmo que circunstancialmente úteis, os dois parlamentares madeirenses deram um passo em falso e foram humilhados. É no que dá não ler o Estatuto Político-Administrativo da Região, que prevê que os eleitos possam “[r]equerer e obter do Governo Regional ou dos órgãos de qualquer entidade pública regional os elementos, informações e publicações oficiais que considerem úteis para o exercício do seu mandato”, o que não inclui cartas de amor e segredos de Estado, nem ler jornais, pois já foi explicado pelo DIÁRIO, num seu ‘fact check’ que a exigência dos partidos da oposição de divulgação dos acordos tem justificação política, baseada na necessidade de haver transparência em relação aos entendimentos entre os partidos, mas não tem suporte legal. Neste contexto, não admira que o Representante da República não tenha atendido às duas solicitações. Só que à recusa adicionou um reparo, dada a ousadia dos parlamentares, lembrando que o cargo que ocupa não é de índole regional e que por isso os deputados à ALRAM carecem de legitimidade para solicitar documentos ao Representante. Na prática, Ireneu Barreto rasgou as vestes decorativas e deu a entender que os dois curiosos devem resumir-se à sua insignificância.
Na segunda cerca aparecem os cobardes que nos partidos do arco do poder tudo fazem para denegrir quem lidera, quem se afirma como alternativa. As notícias plantadas já por duas vezes em meios de comunicação social nacionais sobre o afastamento de Paulo Cafôfo do Governo da República, como se António Costa fosse fazer uma remodelação só porque um seu secretário de Estado vai disputar eleições internas, são hilariantes. Por essa ordem de ideias, nem Duarte Cordeiro podia ser Ministro, porque é presidente da Federação de Lisboa do PS, nem António Mendes podia ser secretário de estado por ser presidente da Federação de Setúbal. Ser despedido não em função do desempenho como governante, mas por ser candidato a líder do PS-M, só pode ser tese desesperada dos que sem tropas para avançar preferem minar o terreno.
Nota-se ainda uma alucinante apetência pelo masoquismo. Que o digam os que no Marítimo se disponibilizam para testar uma nova solução directiva no próximo mês. Alguns sócios acreditam que com eleições tudo se resolve. Se calhar são os mesmos que no último sufrágio entregaram o clube e a SAD a Rui Fontes. Porventura serão próximos dos que julgam que o contexto do futebol profissional não mudou e que basta o apoio da Região e uns trocos de patrocinadores e das transmissões televisivas para sustentar o desejo de subida. Não duvidamos que Carlos André Gomes queira colocar os interesses verde-rubros em primeiro lugar, que Miguel Silva Gouveia tenha disponibilidade para dar o seu contributo e que haja mais gente capaz de apresentar remédios para tapar o mais do que evidente buraco financeiro em curso. Afinal, no Marítimo cabem todos, de ex-presidentes a futuros líderes, de ex-autarcas a jovens promessas políticas, de empresários a pensadores e de endinheirados a aprendizes de investidores. O problema é que toda a gente sabe que sem avultado investimento para garantir um orçamento anual que alimente esperanças, num contexto em que as receitas baixaram e os custos aumentaram, nenhum clube faz milagres, mesmo que tenha todos os sócios do mesmo lado.
Nota-se também um preocupante alheamento em relação a temas decisivos de interesse comum. Por exemplo, o que tem sido feito para travar o inverno demográfico numa Região em que o saldo natural continua negativo e que no ano passado registou um aumento de óbitos face a 2021? E o que vai ser feito para equilibrar tendências evidentes no tráfego rodoviário que aumentou 9,4% nos primeiros 9 meses do ano, nas vias Rápida e Expresso numa ilha em que de forma o achismo limitou o TVDE a 40 viaturas mas permitiu um ‘boom’ sem precedentes de carros de aluguer?
Para exterminar as diversas tipologias de ‘formiga branca’ social não basta ir votar de quatro em quatro anos, ser atrevido ou refilão, ter bom senso e dotes altruístas. Vai ser preciso meter mãos à obra urgentemente, com inteligência e competência, antes que a Madeira se torne insustentável a vários níveis e caia de podre.