As Pontes da Oração e o seu Mestre

Alguns pensadores das ciências humanas caraterizam grande parte da cultura atual como a “sociedade do cansaço”, por exemplo Byung-Chul Han (2010). Este desgaste generalizado tem vindo a ser tratado sob vários nomes: burn out, esgotamento, stresse, mas um dos mais utilizados em psiquiatria e psicologia é o problema avassalador dos deprimidos. Nos últimos tempos, a pandemia, as guerras em vários países e servidas diariamente nos media e redes sociais intensificaram os fenómenos dos cansados, desanimados, do sentir-se em baixo e perder o sentido da vida e a entrada na época da pós-verdade. E não têm poupado as áreas do lazer e da religião. A luta pelo sucesso, o carreirismo concorrencial e o consumismo obsessivo exacerbam ainda mais a agitação e os truques para triunfar apesar das limitações e obstáculos. E os resultados nem sempre são brilhantes como as vitrines sociais da televisão e jornais os pintam. Não se pode ficar para trás dos concorrentes, mas ser elites endinheiradas não é para todos. A pressa e a sedução da eficácia a todo o custo dos que ficam de fora tornam o nosso mundo mais desconcertado, esgotado e a cair aos pedaços e de contradições. Um dos falsos truques consiste em trocar o real por aparências, por encenações envernizadas e vidas contagiadas de duplicidade e recurso à mentira e à violência. A Igreja não escapa a esta sedução de êxitos fáceis, técnicas mundanas e agitação. Numa carta recente aos padres de Roma (05.08.2023), o Papa Francisco fala da mundanidade “que reduz a espiritualidade a uma aparência” e a ser “comerciantes do espírito”, tentados a abraçar as modas do mundo.

Uma das marcas da cultura atual é a ambiguidade e falta de verdade no uso de palavras de sentido nobre. As ambiguidades ocultam e quase apagam a substância da fé cristã com um certo populismo de fé açucarada que deixa enevoada a pessoa divina de Jesus Cristo e a sua palavra de verdade. Não deixa de ter atualidade perguntar em que acreditam os cristãos, o que distingue a fé cristã e como a vivem os que se dizem católicos, como tenta responder o livro “Jesus existiu mesmo? E outras 51 perguntas (2020)”. Pode responder-se com palavras ou silêncio, cada um para si mesmo, mas ninguém se iluda de ser o mestre e salvador de si mesmo e muito menos da humanidade cansada. A melhor resposta a este desgaste é a oração sincera e humilde, que sai do coração, dirigida ao Pai celeste, a Jesus, ao Espírito Santo, a Nossa Senhora e aos santos patronos.

A oração é ponte para sair das ambiguidades, confusões e mentiras que submergem tantos modos do pensar débil atual; já não se ensina a pensar, com desabafava um idoso nas eleições da Argentina. Não são apenas alguns estados que não são de direito, muito pensar corrente é igualmente tortuoso e afeta também o testemunho dos cristãos católicos na Igreja. A insegurança não é devida apenas às terríveis inundações, calamidades, crises, guerras e ao aquecimento do clima. As guerras da desinformação, cheias de segredinhos confusos sobre agendas secretas e corruptas podem segredar-se ao ouvido dos cúmplices. Não respeitam a verdade e a justiça e por isso, não falta quem deseje que sejam desmascaradas sobre os telhados e em assembleias.

As pontes indispensáveis para a outra margem do tempo e espaço são as da oração. A oração da fé é um caminho para crescer no reconhecimento de que a vida pessoal tem uma face temporal e outra eterna que abre para o Pai do céu. Ambas são valores irrenunciáveis. Uma destina-se a preparar e abrir para o transcendente da outra. Importa reconhecer que tempo e espaço não podem confundir-se com a eternidade. O homem é um ser de finitude, imperfeito, pecador, mas perfectível e destinado à plenitude de participação divina e eterna. A pessoa vive mergulhada em dimensões de imperfeição, espiritualidade, espaço e tempo limitados, mas destinada a espiritualidade divinizante transcendente, inefável e indizível, para além do espaço e do tempo. A oração da fé crê, distingue e relaciona estes dois polos de sentido da pessoa, em união de corpo e alma, sem conseguir entender plenamente o seu ser. E, embora acredite na vida eterna, só muito imperfeitamente entende a transcendência da eternidade. Só pela fé tem esperança de os vir a entender melhor quando estiver mergulhado na transcendência da luz divina. A oração é indispensável para viver, no presente, a interface entre o modo temporal e a fé revelada da vida eterna. Sem oração o homem é tentado a reduzir as duas faces da sua vida a uma só, em caverna fechada, rodeado de absurdos, e fica-lhe oculta a face fundamental da transcendência eterna.

Muitos cristãos católicos passam por dúvidas em distinguir e acreditar na espiritualidade, transcendência, mística e eternidade para lá da morte neste tempo e espaço. A oração ajuda a sair dessa confusão e a experimentar, embora imperfeitamente, a relação entre os dois estados de vida temporal e eterna. Torna-se indispensável orar ao Espírito Santo pelos trabalhos do Sínodo, orar pela paz em tempos de guerras ferozes e cruéis, como o Papa vai pedir com um dia de jejum e oração no dia 27. Neste “vale de lágrimas” importa orar pelos desanimados, doentes, perseguidos e pela entrada na glória celeste dos que partem deste tempo e espaço, para a eternidade. Orar para que todos vivam o amor do Reino de Deus para que Jesus convida em cada página do Evangelho. O primeiro mestre de oração é Ele, e o seu Evangelho, o melhor guião. A oração constitui a terapêutica humano-divina para todas as inseguranças, cansaços e sem sentidos em que tanto se vive.

Aires Gameiro