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Crónicas

Mostrar a ferida ou fingir que não se passa nada?

Revelar a ferida é assumir responsabilidade pessoal e coletiva, abrindo espaço seguro para exigir liberdade, dignidade, paz e justiça. Para ser exemplo de equidade de direitos entre todos os seres humanos

Não vale a pena esconder! Vivemos num mundo real. Nem os nossos filhos, nem nós, ninguém pode evoluir em redomas. Há mais uma guerra no mundo. Um conflito com 70 anos, entre Israel e a Palestina (isto se analisarmos ao nível da estrutura superficial, porque ao nível da estrutura profunda, o conflito é infinitamente mais extenso, transgeracional e enraizado, só que o foco desta crónica, hoje, é o impacto da guerra, sobretudo nas crianças, portanto, deixo para outra oportunidade a análise neurolinguística). Ora, se queremos educar para a defesa dos direitos humanos, para o exercício de uma cidadania ativa, é essencial partilhar a realidade, também com as crianças, mesmo quando é muito dura. Até porque, negar a realidade como mecanismo de defesa, produz uma perda da consciência da humanidade. Agora, há cuidados a ter neste processo. É importante contribuirmos para a pacificação em vez da polarização da situação, daí o extremo cuidado para evitar rótulos como: “esta religião é melhor que a outra”, “países bons” e “países maus”. Há que ter noção que não há um conflito a um, são sempre precisos (pelo menos) dois e que, nalgum momento, ambos estão certos, ambos estão errados.

Quer queiramos, quer não, as imagens e sons entram-nos casa e carro dentro, sem pedir licença, e também aqui podemos mostrar, sem alarmismos nem exageros, e com uma linguagem que a criança compreenda, através de uma explicação que tranquilize e a faça sentir-se segura, selecionado as imagens que podem ser vistas em conjunto, tendo em consideração a idade, a maturidade cognitiva e a sensibilidade de cada criança, deixando de parte as imagens mais violentas, para não aumentar receios e angústias. Tudo isto contextualizando sempre a situação, lembrando e revelando quais os valores e intenções que ambas as partes defendem.

É tempo para que adultos e crianças entendam, de uma vez por todas, o papel das Forças Armadas, não só em momentos de conflito, mas na manutenção da paz. As crianças devem olhar para as fardas dos nossos Homens com segurança. Devem poder sentir que são Mulheres e Homens, porto seguro e que perto deles estarão sempre protegidos.

A guerra aos olhos das crianças deve ser entendida como ‘sim existe’ e ‘sim’, é possível criar um mundo melhor através do diálogo, das negociações, dos acordos, da comunicação assertiva e não violenta. O foco deve estar no fim da guerra, que, acaba em paz ainda que com sérias consequências e exigência de tomada de responsabilidade pessoal e coletiva.

Esta é uma oportunidade única e mais do que nunca, uma porta aberta para a prática do igual do igual valor e dignidade, onde as opiniões, os desejos, as intenções, as emoções e os pensamentos de cada um podem e devem ser verbalizados, escutados respeitados e aceites de igual forma e não (des)sobrevalorizados devido à idade, ao sexo, a qualquer outra condição, ou à hierarquia familiar.

Também a prática da integridade ganha mais espaço nestas alturas. Neste contexto, definida como a soma das emoções, dos sentimentos, dos valores, das intenções e dos pensamentos de cada elemento. Cuidar da integridade de cada um, respeitar a própria integridade é um forte contributo para o aumento da autoestima e, espontaneamente para o respeito da integridade do próximo. O respeito pela própria integridade expressa-se na habilidade em observar as próprias emoções, sentimentos, pensamentos, valores, intenções e na consequente reflexão sobre essa observação. A prática da ‘integridade’ escancara as portas à empatia. A esta tão nobre e humana capacidade de se colocar no lugar do outro.

A autenticidade tem aqui um papel preponderante. No fundo, é a ‘credibilidade’, a capacidade de nos exprimirmos de forma credível, em momentos de maior harmonia ou de conflito. Em ambos os casos, a autenticidade deve suster a interação, expressa na criação de um ambiente de presença, abertura e credibilidade.

Tudo isto pede responsabilidade pessoal, pois claro. É assim que a criança aprende que é responsável pela própria vida, pelas próprias emoções, pelos seus sentimentos, intenções, pensamentos, pelas suas ações e escolhas pessoais. É assim que contribuímos para desenvolver a capacidade essencial de nos colocarmos na causa dos acontecimentos, no comando da nossa vida, em vez do lado do efeito, atribuindo ‘culpas e responsabilidades’ a outros, tronando-nos a vítima do que acontece. A promoção da responsabilidade pessoal é um bom preditor da designação da autonomia da criança (e dos adultos, já agora).

Saibamos pois, estar à altura deste momento desafiante para a humanidade. O psiquiatra e psicoterapeuta Carl Jung dizia com sapiência algo que é para guardar e sobretudo, praticar: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.”

Um caminho que nos reconduz à inteireza e ao nosso lugar no mundo. Daí virá a paz.