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Julgamento de activistas na Grécia é "precedente perigoso"

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A ONU alertou hoje que o julgamento de trabalhadores humanitários que decorre na ilha de Lesbos, na Grécia, estabelece um "precedente perigoso", apontando que já provocou um "efeito inibidor" em defensores de direitos humanos e organizações humanitárias.

"Julgamentos como este são profundamente preocupantes porque criminalizam o trabalho que salva vidas e estabelecem um precedente perigoso", destacou a porta-voz do gabinete de Direitos Humanos da ONU, Liz Throssell, em comunicado.

A organização internacional realçou, de resto, que "já houve um efeito inibidor, com defensores dos direitos humanos e organizações humanitárias forçados a interromper o seu trabalho de direitos humanos na Grécia e em outros países da União Europeia (UE).

Um grupo de 24 trabalhadores humanitários estava a ser julgado por ter ajudado migrantes a chegar à Grécia entre 2016 e 2018, enfrentando acusações como espionagem, falsificação e uso ilegal de frequências de rádio para fazer os resgates no mar.

A Justiça grega anulou hoje o processo por espionagem contra os 24 trabalhadores da ONG, anunciou o tribunal de Mitilene, onde os ativistas estão a ser julgados, alegando falhas processuais.

O tribunal de Mitilene, capital da ilha grega de Lesbos, alegou que a anulação do processo foi provocada por questões processuais, nomeadamente pela falta de tradução da acusação para os réus de nacionalidade estrangeira.

Um processo separado, por tráfico de migrantes, está ainda em fase de investigação.

Entre os outros réus conta-se a refugiada síria Sarah Mardini, que, com a sua irmã nadadora olímpica, inspirou uma série de ficção sobre este caso.

A ONU já tinha saudado a decisão da procuradoria de recomendar a anulação de algumas das acusações, mas reiterou o apelo para que "todas as acusações contra todos os réus sejam retiradas".

Liz Throssell salientou, na mesma nota, que os réus eram todos membros ou voluntários de uma organização não-governamental (ONG) grega, a Emergency Response Center International (ERCI), que ajudou mais de 1.000 pessoas a alcançar a segurança e forneceu aos sobreviventes assistência médica e outra assistência na ilha grega de Lesvos.

Desde então, a ERCI foi obrigada a encerrar as suas operações, enquanto os réus enfrentam a perspetiva de ir a julgamento há mais de quatro anos, salientou a ONU.

"Salvar vidas e fornecer assistência humanitária nunca deve ser criminalizado ou processado. Tais ações são, simplesmente, um imperativo humanitário e de direitos humanos", vincou.

O gabinete de Direitos Humanos da ONU lembrou ainda "preocupações de longa data de que a legislação anticontrabando em vários países europeus esteja a ser usada para criminalizar tanto os migrantes quanto aqueles que os auxiliam".

"Abordar o contrabando de migrantes depende, em última análise, de melhorar os caminhos seguros para a migração regular", frisou ainda.

Também a comissária para os Direitos Humanos do Conselho da Europa, Dunja Mijatovic, pediu hoje à Grécia para deixar de "atormentar o trabalho dos defensores dos direitos humanos e dos jornalistas".

"O ambiente hostil em que os defensores dos direitos humanos, a sociedade civil e os jornalistas trabalham na Grécia é motivo de preocupação há vários anos", disse Mijatovic, num comunicado hoje divulgado, sublinhando que "atacar quem participa em atos de solidariedade é incompatível com as obrigações internacionais dos Estados e tem um efeito inibidor no trabalho de defesa dos direitos humanos".

A Grécia sofre há vários anos uma crescente pressão migratória, com origem sobretudo na Turquia, que tem causado fortes tensões entre a população, com as autoridades gregas a serem frequentemente acusadas de praticarem expulsões forçadas.