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Praia dos Reis Magos

Há lugares e valores que são de todos e são preciosos. Que estão acima de quaisquer egos e de qualquer retórica distorcida

“Do ar é Araújo, do mar é Marujo” dizia o meu pai com a simplicidade que sempre o caracterizou. Nasci efetivamente no alto. Não nasci junto ao mar, mas, desde muito cedo, fiz dos Reis Magos a minha praia. O meu pai levava-nos no Peugeot 104, cor de laranja, e deixava-nos no largo daquelas ruínas eternas do Solar dos Reis Magos. Seguíamos depois a pé naquele caminho cheio de cana-vieira até à praia e passávamos ali um dia de mar e de sol. Era a nossa praia. No mar, cresci ali, com todos os desafios e refúgios. Sou terra, sou do ar, mas também sou mar. Somos do mar puro.

E guardo boas memórias daqueles tempos naquela praia maravilhosa. É património natural do Caniço que é de todos e insuscetível de usucapião. É dos que ali nasceram, dos que para ali foram morar e dos que por ali passam. É de todos!

Dizia o pensador grego: “Não sou nem ateniense nem grego, mas sim um cidadão do mundo”, frase que a parede do metro da cidade universitária, em Lisboa, recebeu e comigo partilhava todos os dias nos meus tempos de faculdade. Há homens que pensam e há, de facto, paredes que falam, como há silêncios que nos alimentam e locais que nos fazem respirar melhor para além de todas as rotinas que nos embalam e adormecem.

E como é bom ter um Caniço de todos. Como é bom ter o Caniço de Lourdes Castro que decidiu repousar todas as sombras da sua grandiosidade artística num dos cantinhos escondidos mais simples desta terra. Há lugares e valores que são de todos e são preciosos. Que estão acima de quaisquer egos e de qualquer retórica distorcida. E defender o que é de todos é uma obrigação que ninguém pode tentar reprimir.

É assim que não posso deixar de manifestar sempre a minha preocupação relativamente às sucessivas interdições da praia dos Reis Magos por determinação das autoridades de saúde. Reajo. Obviamente reajo. Não aceito e não me conformo. Não aceito a inércia e a incompetência de quem não consegue preservar e proteger um património natural que é de todos. Denuncio. Não posso assistir passivamente a recorrentes interdições determinadas por imperativos de saúde pública.

Não posso tolerar episódios de poluição no nosso mar que colocam em perigo a saúde das pessoas e que, inclusivamente, deram já lugar a queixas no Ministério Público. Não posso aceitar que as águas dos Reis Magos sejam, há anos, o espelho da insensibilidade ambiental e da incapacidade no tratamento de águas residuais urbanas. A União Europeia tem Diretivas específicas que visam proteger o ambiente contra os efeitos adversos das águas residuais urbanas e não irá obviamente tolerar por muito mais tempo estes lamentáveis e muito mal explicados episódios.