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Ruas da amargura

Não sei quem é o autor deste requintado projecto de design, nem quem foi o visionário que o encomendou

A origem do stencil, que hoje conhecemos sobretudo como fonte caligráfica, perde-se na noite dos tempos. O mais antigo exemplo desta técnica milenária tem pelo menos 30 mil anos: projectando tinta sobre a parede da caverna os nossos antepassados deixavam impresso na rocha o negativo das suas mãos. Da arte rupestre à invenção da fonte caligráfica, que hoje designamos como stencil, vai apenas um pequeno passo que demonstra bem como uma técnica tão antiga e tão simples pôde dar origem a uma letra tão útil e tão bela.

Vejamos alguns exemplos que nos são familiares: BUAL 1957, escrito a stencil branco sobre o bojo escuro de uma garrafa de Madeira vintage; o número 8 escrito a stencil branco sobre fundo negro na padieira de uma porta do Funchal; RUA DAS DIFICULDADES escrito a stencil branco sobre rectângulo negro na fachada rebocada de um edifício. Todos conhecemos bem a simplicidade e a legibilidade do stencil. Talvez por isso ele tenha sido tão usado na toponímia do Funchal – talvez por isso o Banksy continue a usá-lo.… Eu próprio fiz questão de o utilizar no pequeno guia Singularidades Arquitectónicas do Funchal, publicado pela CMF, para identificar as ruas e praças da cidade.

Mas como nada neste mundo – ó meus irmãos! – é perfeito, eis que uma alma peregrina se lembra de aperfeiçoar a sinalética da nossa capital. Pensando, talvez, que tudo funcionaria melhor se em vez do honesto stencil, impresso nas fachadas da cidade, se pendurasse uma plaquinha preta debruada a branco, letrinhas míopes no meio e setinha marota a adejar por baixo. Tudo ilegível, pretensioso, infinitamente parolo. Que Deus tenha piedade de nós – sobretudo dos míopes, condenados às ruas da amargura....

Não sei quem é o autor deste requintado projecto de design, nem quem foi o visionário que o encomendou, mas queria aqui deixar a ambos uma sugestão que creio ir ao encontro da esmerada sensibilidade de ambos: pendurem apenas a plaquinha nas ruas com antropónimos aristocráticos – Rua Marquês do Funchal, Rua Princesa D. Maria Amélia, Rua Conde Canavial, etc.. No Beco do Churro, na Rua da Carne Azeda, na Rampa do Carvão, na Travessa dos Arrieiros ou outros analfabetos que tais, por favor, mantenham o antigo stencil.