Análise

E se falassem mais de futuro?

A ‘rentrée’ faz-se de eleições, das mais genuínas, das autárquicas de muitos (des)contentamentos. E do nervosismo típico dos estreantes que temem o veredicto final - que se espera eloquente a 26 de Setembro também para que a abstenção não volte a ser tema - ou dos experimentados já deslumbrados com os hipotéticos recordes de votação. Desse infindável número de propostas mediatizadas para que assim se tornem vistosas, apesar de, em muitas, habitar uma inusitada utopia de difícil financiamento. Da correria desenfreada em nome da satisfação de chantagens habituais, exigências localizadas sistemáticas, que rendem, conforme a necessidade do eleitor e do candidato, canetas e camisolas, frigoríficos e máquinas de lavar, o saco de cimento e a lata de tinta, a promoção do beco a estrada e do desconhecido a eleito, desejos que se concretizam, no mínimo, de quatro em quatro anos.

Estes e outros expedientes explicam tanto o poder hegemónico, como a oposição crónica, apesar das mudanças mais recentes, inevitabilidade de base que muitos partidos nunca perceberam na nossa já não tão jovem democracia. Estratégias que cada um usa como sabe e que desta vez até têm o mérito de relegar para o fim de tarde a teimosa anormalidade e a fastidiosa pandemia, embora voltem a expor, em demasia, as fragilidades de muitos protagonistas que se submetem a apreciações e a avaliações sem a mínima noção do compromisso e do ridículo.

Sabemos que são milhares os candidatos, tantos que nalguns casos não há militantes que cheguem para cumprir requisitos mínimos ditados pela lei, o que implica repetições ou omissões. Sabemos que, na Região, apesar de tanto voluntário que aceita ir a votos, apenas 71 desempenharão mandatos nas Câmaras, 213 nas assembleias municipais e 550 nas assembleias de freguesia, ou seja, mais de 800 serão eleitos nas próximas eleições, o que não é coisa pouca e insignificante. Sabemos que a partidocracia dominante trocou as voltas aos independentes e complicou-lhes a vontade em aparecer no boletim. Sabemos que a igualdade de oportunidades das candidaturas nos meios de comunicação social é um princípio a respeitar, sempre de acordo com os recursos ao dispor, na prática, aqueles que resultam da vontade do mercado. E sabemos que por muita cooperação que exista, há quem ache que devemos tratar por igual o que é diferente.

Vem aí o período de campanha eleitoral e aparentemente, mesmo que tenham mudado alguns actores políticos, os vícios são ancestrais. Logo, para que da era da propaganda não sobre apenas cartazes, slogans e barulho, exige-se seriedade e compreensão, atenção ao essencial e diálogo.

Estimados candidatos, se não for pedir muito, e recuperando parte do que escrevemos há quatro anos, concentrem-se nos eleitores e resolvam-lhes os dramas em vez de se preocuparem em demasia com a pose, com o número de caracteres que dão corpo às notícias e com as miseráveis queixinhas na Comissão Nacional de Eleições.

Falem-lhes de futuro e de projectos, mais do que do passado, das inaugurações e das obrigações que geraram obras pagas por todos.

Elaborem programas que devolvam à vida activa os que têm capacidade de trabalho, mas vivem abusivamente de subsídios e que promovam o merecido descanso dos que foram considerados insubstituíveis, sem nunca terem sido pagos como tal.

Acudam aos que vivem nas margens dos municípios e, em vez das opções cosméticas e soluções provisórias, devolvam-lhes com a máxima discrição a dignidade perdida e a qualidade de vida merecida.

Respeitem os direitos e as liberdades dos que discordam das vossas convicções e criticam com a melhor das intenções os desempenhos menos conseguidos.

Tolerem a diversidade das abordagens e não queiram que os jornalistas façam um intervalo na profissão e vos substituam no porta-a-porta.

Saibam ler com prudência e inteligência as sondagens que já publicamos e as que serão feitas nos próximos dias. A desconfiança sábia perante indicadores circunstanciais é tão legítima como a interpretação honesta das tendências expressas no retrato sobre as intenções de voto.

Evitem o insulto. Todos têm passado, rabos de palha e afins. Como tudo se sabe, não há narrativas branqueadoras que vos valham.

Não prometam o que vos transcende, nem falem do que não dominam. Sejam autênticos mesmo que tamanha atitude vos custe votos. Porque só um ganha, em muitos casos a melhor recompensa eleitoral não mora nos resultados obtidos para um mandato efémero.