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Uma questão de carácter

Podia dizer que as declarações de Pedro Calado a seguir ao temporal de sábado, 27 de Março, foram demasiado azedas, que foram injustificadas, que nem tudo se admite, que não percebi se falava como vice presidente ou putativo candidato à Câmara do Funchal. Podia até dizer que me surpreenderam.

Podia, mas não digo porque não me surpreenderam. Há muito que sei que, para certa gente, a mentira é alimento diário e quanto mais temperado melhor. Só que, quando o tempero é demasiado, a comida fica intragável, por muito que cozinheiros desonestos continuem a insistir que o prato está no ponto… na tentativa de, pelo menos, criar na nossa cabeça a dúvida.

Ouvi as declarações três vezes. Também prestei muita atenção ao que foi dito pelo responsável da delegação do Instituto do Mar e da Atmosfera, Vítor Prior sobre a dimensão e características da tempestade no Funchal. Li o que a propósito foi escrito. E lembrei-me que em Dezembro tinha, mais uma vez, havido a mesma mentira: de que tinha chovido mais que no 20 de Fevereiro de 2010, de que a cidade tinha sido poupada graças à boa intervenção do governo, que as ribeiras tinham respondido porque as obras nas muralhas tinham sido a boa solução, blá, blá, blá, blá, blá, blá… agora repete-se tudo.

E não, o problema não é termos um mau aluno que é cábula e que, ainda por cima, é tão arrogante que se atreve a abrir a boca como se tivesse estudado a lição – sabendo que não pegou num livro. Não, o problema é que o aluno não presta mesmo, está-lhe pelos vistos ‘no carácter’!

É conscientemente que o vice-presidente/candidato-camuflado mente, com dois objectivos: enaltecer a betonização das muralhas das ribeiras e atacar o presidente da Câmara do Funchal.

Porém, as ribeiras NUNCA foram postas à prova depois do que o governo fez às muralhas. Por uma simples razão: desde 2010 que o Funchal não sofreu qualquer aluvião (e acrescento: não houve aluvião, mas eu tenho medo de como se vão comportar as ribeiras, transformadas em canais de menor secção sem atrito, por onde tudo escorregará sabe-se lá a que velocidade e com que impacto). O vice-presidente sabe isto e também sabe que é lá em cima, na montanha, que os aluviões começam e que a cidade sofre quando lhe chegam as toneladas de água, lamas, árvores e tudo o mais que a corrente, violenta e desenfreada, arrasta pelo caminho.

As serras não oferecem resistência nem segurança porque estão despidas. O anfiteatro está cheio de esqueletos de árvores queimadas que só esperam um deslize para vir por aí abaixo. Esta ilusão repetidamente criada de que tudo está seguro porque se cobriram as muralhas com betão é verdadeiramente criminosa porque ‘adormece’ consciências e ‘sossega’ inquietações. Num dia, num outro dia negro, apanhará toda a gente desprevenida. Tudo isto é demasiado sério para jogatanas políticas.

Este fim de semana choveu no Funchal como não há registo de ter chovido – disse Vítor Prior. Houve inundações, mas seria possível, ou imaginável, não haver? Apesar de tudo, no seu conjunto, a cidade aguentou-se!

Vir falar das inundações, colocando em contraponto o ‘comportamento’ das ribeiras é insultar toda a gente, é chamar burro a cada um de nós. Até porque estava à vista de todos que a quantidade de água que corria nas ribeiras era verdadeiramente insignificante – prova que lá em cima, não choveu nada de especial. E assim foi, de facto.

Não é preciso ser um especialista para olhar para os quadros que têm sido divulgados com valores de precipitação e perceber que, em 2010, e para além do que tinha chovido nas semanas anteriores, onde a chuva caiu de forma assustadora foi no Areeiro e por isso, o aluvião! Ao contrário de agora, em que a zona brutalmente atingida foi a parte baixa do Funchal. De resto, Vítor Prior fez também questão de referir que foram duas situações bem diferentes.

Não é preciso ser especialista, mas é preciso ser sério. E não ser mau carácter.