Crónicas

“Omnes Fratres”

Omnes Fratres, Fratelli Tutti, Todos Irmãos: eis como se designa a nova Encíclica que o Papa assinará na próxima semana em Assis, e que toma por título precisamente um vocativo usado por S. Francisco nas “Admoestações” (escritas entre 1216 e 1221): “Consideremos, irmãos todos, o bom pastor, que para salvar as suas ovelhas sofreu a paixão da Cruz”.

A nova Encíclica quer ser um texto fundamental para o mundo pós-pandemia, tendo como eixo axial da reflexão o tema da Fraternidade, recorrente na pregação deste Papa, para que a sociedade possa ultrapassar a terrível herança de males em cadeia decorrentes da crise pandémica. Como se escrevia na edição italiana do Huffington Post, “será uma Encíclica social e económica para o mundo pós-Covid, um texto de razão e coração com o qual o pontífice falará ao mundo sobre as mudanças necessárias na organização social e produtiva, as necessidades de salvaguardar a criação e de se responsabilizar uns pelos outros, sobre a cada vez mais necessária fraternidade humana”. A Encíclica retoma as recentes catequeses semanais, intituladas “Curar o mundo”, com fortes alertas para o contágio do individualismo e da indiferença, e para a importância de nos redescobrirmos “vulneráveis”, mas “interconectados”: “A pandemia expôs a difícil situação dos pobres e a grande desigualdade que reina no mundo”, pelo que a posição da Igreja “não é uma opção política, nem uma opção ideológica, uma opção partidária... não. A opção preferencial pelos pobres está no centro do Evangelho”, lembrava o Papa na catequese de 19 de agosto, argumentando: “A pandemia é uma crise, e não saímos iguais de uma crise: ou saímos melhores, ou saímos piores”. E voltava a protestar contra a desigualdade económica e social — “Devemos dizer simplesmente: a economia está doente” —, pois no mundo de hoje, “poucos, riquíssimos, possuem mais do que todo o resto da humanidade”: e isso “é uma injustiça que brada aos céus”!

É muito provável que a nova Encíclica retome passagens da “Laudato Si”, mas a “Omnes Fratres” deverá explicitar duas linhas fortemente motivadoras: a primeira, dimana do documento assinado em fevereiro de 2019, com o grande Imã da mesquita de al-Azhar, e que é a profética Declaração sobre a Fraternidade Humana para a paz mundial e a convivência, em liberdade e igualdade, de cada membro da “família humana”; a segunda é a pandemia e o desafio trazido pela ameaça global à vida humana, em que a opulência mostrou a sua impotência, e as ditaduras, a sua fragilidade, despertando-nos para as outras epidemias devastadoras (a fome, guerra, refugiados, abismo entre ricos e pobres) de uma “economia doente”.

Hoje, a hiperconetividade (do contágio e da informação) atualiza em nós o “efeito pandémico”: o mundo tornou-se um lugar mesmo perigoso, ainda por cima quando se requeria com maior urgência lideranças esclarecidas e livres. Mas, o que temos pela frente não é muito animador: à tibieza inconsequente de muitos “senhores governos”, contrapõe-se a boçalidade de uns poucos que, com suas decisões, causam a morte de muitos. É por isso que nesta problemática globalização, que à pandemia sanitária faz acrescer as epidemias de uma humanidade frágil, a nova Encíclica vem ratificar a figura do Papa Francisco como verdadeiro líder mundial, cuja voz em favor do homem e da sua dignidade é ouvida e reconhecida por todos os homens de boa vontade – “Omnes Fratres” — que se preocupam com o futuro da liberdade e da paz, pela salvaguarda da nossa “Casa comum”.

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