Crónicas

O bom, o mau e a estrela-cadente

E questionar a obrigatoriedade não é ser contra o uso de máscara, muito menos constitui desprezo pela saúde pública. A questão não é, sequer, de legalidade, mas sim de princípio. A obrigatoriedade esconde um perigo

Chamaram-lhe Atena, o ventilador português. No tempo em que os ventiladores – e a falta deles – ocupavam os telejornais, Atena foi símbolo de esperança no engenho lusitano. O ventilador teve mecenas, crowdfunding e até uma visita do primeiro-ministro. 100 equipamentos estariam já em produção, mas o objectivo seriam produzir 400 até ao final de Junho. Se há coisa em que somos bons é lançar os foguetes e apanhar as canas. Até que chegou o veredicto dos especialistas encarregues da avaliação. Resultado: ventilador chumbado por unanimidade. Para não estragar a festa, o Infarmed autorizou a sua utilização excecional, apenas quando não houver outra alternativa. No fundo, dizem-nos que quando acabarem os ventiladores e toda a medicina falhar, resta-nos ter fé numa deusa grega. A mitologia pode ser grega, mas a tragédia é portuguesa.

O bom: Relampada

Poderia ter sido uma malha, um malhão, uma slapa ou um relampão. Mas acabou por ser “Relampada”. Produto da imaginação do André Moniz Vieira e das máquinas do Estúdio 21, a “Relampada” é um programa sobre a arte e a cultura da Madeira, feito ao ritmo de uma conversa entre o anfitrião e um convidado. O formato não é novo, mas a espontaneidade que o André oferece ao diálogo, retira-nos do estúdio e remete-nos para uma mesa de esplanada, onde assistimos, casualmente, a uma cavaqueira entre amigos. No estúdio, as plantas têm nome, as bebidas circulam pelos convidados e a conversa flui. E no final de cada programa, ficamos com a sensação de que pouco, ou nada, foi planeado. É nessa incerteza, na ausência de guião, que vive o interesse da “Relampada”. Aliás, a naturalidade do diálogo contrasta, se calhar apura-se, com a qualidade da produção do programa. É notório que ali, tudo resulta da boa vontade de quem faz a “Relampada”, mas isso não retira, aliás acrescenta, mérito e deixa-nos a pensar para que serve o orçamento milionário da televisão pública. Na Rua Latino Coelho, o André Vieira e o Estúdio 21 provam, a cada programa, que a cultura madeirense está viva e a insularidade não a diminui. Todas as terças-feiras, às 19h30, há “Relampada” num ecrã perto de si.

O mau: As máscaras

Ponto prévio. É unânime que as máscaras, até as caseiras, são eficientes a impedir a propagação do vírus. Há vários estudos nesse sentido e ninguém questiona esse facto. O problema está na forma como, por cá, viraram obrigação. E questionar a obrigatoriedade não é ser contra o uso de máscara, muito menos constitui desprezo pela saúde pública. A questão não é, sequer, de legalidade, mas sim de princípio. A obrigatoriedade esconde um perigo. É duvidoso que a Região tenha meios para fiscalizar, de forma reiterada, a obrigação que impôs aos seus cidadãos. Se calhar, nem faz sentido que tenha esses meios. Mas uma obrigação sem fiscalização é um convite ao incumprimento. É aí que espreita o perigo, no sentimento de impunidade. Porque fragiliza a autoridade das instituições e, em última linha, retira-lhes legitimidade para decidir e para exigir dos cidadãos. A incompreensão da medida imposta, e o seu possível incumprimento, deixam antever que tudo se teria resolvido com uma simples recomendação. E a diferença não é só semântica. Tivesse o Governo optado pela recomendação em vez da obrigatoriedade, e pela pedagogia antes da imposição, não só teria evitado uma polémica, como ficaria com margem de manobra para agravar as medidas sanitárias, se a evolução da pandemia assim o justificasse. É difícil tomar decisões, e quem as toma está, muitas vezes, numa situação impossível - preso por ter cão e preso por não ter. Mas a bondade desta medida, merecia melhor explicação. Apenas isso.

A estrela-cadente: Emanuel Câmara

No Partido Socialista, a vida de Emanuel Câmara nunca foi fácil. Perdeu cinco vezes a corrida à Câmara Municipal do Porto Moniz, até a ter ganho em 2013. Eleito presidente dos socialistas locais em 2018, esgotou a sua função no dia em que foi eleito. Agora que chega ao fim um ciclo no PS, Câmara arrisca ser apagado da história recente do partido. Mas nem sempre foi assim. É certo que Emanuel Câmara foi um líder refém das suas circunstâncias e, repetidamente, menorizado por elas. Afinal era presidente, mas não era candidato às regionais e nem sequer apresentou moção própria ao congresso. Mas, apesar de tudo, cumpriu o seu papel. Mostrou cartões vermelhos ao PSD, enfrentou Carlos Pereira e abriu a porta do partido a Paulo Cafôfo. Tudo mudaria na noite das eleições regionais. Ali, no palco montado para a vitória que nunca chegou, consumava-se a anunciada transformação do partido. De repente, para a nova liderança do PS, Câmara deixou de contar. O novo PS é eclético, moderno, citadino e unipessoal. O novo líder é uma entidade superlativa – o mais votado de sempre e com mais apoios na história do partido. Há todo um admirável mundo novo pela frente, que não deixa espaço para o passado recente do PS. O problema é que quem quer apagar o passado, está destinado a repeti-lo.

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