>
Coronavírus País

Férias aumentam risco de infecção

Bem mais preocupante é a fase seguinte

None

Conheça três opiniões sobre o tema com Carlos Robalo Cordeiro, Didier Cabanes e Filomena Pereira

O diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, Carlos Robalo Cordeiro, considera que o período de férias que está a iniciar-se constitui um fator de risco de infeção por covid-19, mas a fase seguinte é mais preocupante.

As férias são uma época em que "as pessoas querem relaxar, encontrar-se com familiares e amigos, estar fora de casa, conviver" e isso gera maiores aglomerações, aumentando o risco de contágio, disse à agência Lusa Carlos Robalo Cordeiro.

O turismo está a sofrer um acentuado decréscimo, apesar disso, haverá sempre visitantes estrangeiros, que, sobretudo oriundos de países mais afetados pela pandemia, são também fator de risco, nota o especialista.

Neste período, as pessoas preferem áreas abertas, como praia ou esplanadas, o que faz com que o risco de contágio não seja tão grande como nos espaços fechados, ainda assim continuará a haver doentes do novo coronavírus e o número de infetados não passará a ser insignificante, alerta.

Pelo contrário, os casos vão aumentar, prevê o também diretor do Serviço de Pneumologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e membro do Conselho de Escolas Médicas Portuguesas.

Embora permita mais afastamento físico entre as pessoas e promova a opção por áreas abertas, esta época "é de risco", pois também é propícia ao relaxamento e ao exagero, sintetiza o pneumologista.

De todo o modo, Carlos Robalo Cordeiro está "mais preocupado com a fase seguinte", com "o regresso das pessoas a casa, ao trabalho, à escola, aos transportes públicos", com "centenas de milhares de pessoas em espaços fechados", onde "as regras [estabelecidas pelas autoridades de saúde] são mais difíceis de cumprir", a começar pelo afastamento social.

Tanto mais que -- sabe-se agora -- o vírus "pode manter-se em suspensão no ar durante algum tempo" e transmitir-se "através da fala normal", sublinha.

"O perigo do verão é que, terminado este período de maior relaxamento, se tenha uma situação em que os hospitais não consigam comportar" os doentes necessitados de assistência, sustenta Robalo Cordeiro, destacando que, por isso, "é fundamental chegar a essa fase com números [de infetados] mais baixos do que os de hoje e com grande capacidade de fazer testes [à covid-19] rápidos" (obtenção de resultados num curto de espaço de tempo).

Simultaneamente, impõe-se que a vacina contra os vírus da gripe (ou influenza) seja administrada "o mais cedo possível, logo em outubro", e não apenas a quem tem mais de 65 anos de idade, mas "também a todos os profissionais de saúde e funcionários de estruturas residenciais para idosos".

Em relação ao vírus influenza, Portugal "não está muito mal, tem uma taxa de 61% de vacinação da população com mais de 65 anos", embora a Organização Mundial de Saúde recomende para este grupo de risco 75%.

Para o nosso país ter alcançado aquela percentagem "contribuiu muito a gratuitidade, desde 2010, da vacinação contra a influenza", para esta população, sublinha Carlos Robalo Cordeiro, defendendo, agora por razões acrescidas, o alargamento desta medida a grupos como grávidas e cidadãos com idades entre os 60 e os 65 anos -- "seria muito importante".

Mas se as pessoas com mais de 65 anos têm, em Portugal, uma taxa de vacinação contra a gripe satisfatória -- designadamente quando comparada com as de outros países da Europa --, já em relação aos profissionais de saúde, ela "não chega a metade" (ronda os 49%).

É verdade que a pandemia em Portugal tem sido, de algum modo, controlada, que não foi necessário utilizar mais de 60% da capacidade dos cuidados intensivos, mas, salienta o pneumologista e membro do Gabinete de Crise da Ordem dos Médico, estes "foram reforçados" e trata-se de uma altura do ano em que "não há tantas doenças crónicas" como no outono e inverno.

Além disso, foram adiadas consultas e cirurgias, os utentes, eles próprios, evitaram ou tiveram mesmo medo de recorrer aos serviços de saúde e os profissionais do setor não estavam tão desgastados como estão agora.

"A gripe, só por ela, chega, por vezes, para provocar, nalguns locais, quase o caos", adverte.

"Não nos vamos ver livres deste vírus tão cedo", afirma o médico, referindo o caso da Austrália (que agora teve de voltar ao confinamento).

"A imunidade de grupo é uma miragem", como reflete, por exemplo, um estudo recentemente efetuado em Madrid, que aponta para uma taxa de apenas 5%. Além de que essa imunidade, "tudo indica, não é permanente", nem se sabe por quanto tempo se manterá.

Na região de Lisboa e Vale do Tejo, atendendo à atual situação, "é fundamental o reforço das estruturas de saúde pública", alerta Carlos Robalo Cordeiro, considerando que a infeção deveria ser controlada, monitorizada e analisada, ali e no plano nacional, por comissões "talvez a nível de distrito" e de alguns setores.

Essas comissões não deveriam envolver apenas as autoridades de saúde, mas também outras entidades, como academias ou forças de segurança, porque "as realidades são muito diferentes de região para região".

As academias, as sociedades científicas, as ordens profissionais deveriam, aliás, ser mais chamadas a participar na análise e definição de respostas para a situação, que exige que estejamos "todos juntos", preconiza o especialista, frisando que, por exemplo, o Conselho de Escolas Médicas Portuguesas, que reúne as oito faculdades de medicina do País, não tem sido chamado a emitir opinião.

"Estamos a desperdiçar capacidade de ver e interpretar os dados", conclui Carlos Robalo Cordeiro, apelando aos responsáveis políticos para que "oiçam mais quem possa ter uma visão científica, desinteressada, independente".

Verão traz novos riscos de contágio e vai testar sistema de saúde

O diretor do i3SDiagnostic alerta que a descontração associada às férias e a chegada de turistas podem "aumentar o risco" de novos casos de covid-19, mas apenas a resposta do sistema ditará se será uma transmissão "descontrolada ou controlada".

"Ninguém sabe bem o que podemos esperar, mas, como aconteceu com o desconfinamento, acho que a probabilidade de termos mais casos é grande. Que vamos ter mais contágios é uma certeza, agora, vai depender do nível de transmissão e isso, ninguém sabe concretamente", disse à Lusa Didier Cabanes, diretor do centro de testagem à covid-19 criado no Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S), no Porto.

Ainda que o futuro seja incerto, o investigador acredita que a descontração associada às férias de verão e o "relaxamento" das medidas de higiene e distanciamento social podem vir a "aumentar o risco" de novos casos de covid-19 nos próximos meses.

"Uma coisa é quando as pessoas estão a trabalhar, em que cumprem, inevitavelmente, as normas de higiene e segurança, mas quando estão com a família ou os amigos, num contexto de férias, é diferente, há uma maior descontração", referiu o líder do grupo Microbiologia Molecular do i3S.

Associada a esta descontração e relaxamento, acresce a chegada de turistas e de emigrantes ao país, algo que o investigador, que é também coordenador da Unidade de Infeção e Imunidade do IBMC -- Instituto de Biologia Molecular e Celular, não dúvida de que "acarreta ainda mais riscos".

"Não há dúvida nenhuma de que o risco é maior. O facto de recebermos pessoas que podem vir de qualquer país da Europa, alguns com níveis de contágio elevados, acarreta mais riscos", afirmou, dizendo, no entanto, entender a "difícil decisão" que o Governo "tinha em mãos".

"A decisão que foi tomada cá foi tomada por todos os países da Europa e não há dúvidas de que os países e as economias não podem parar. O Governo tem de gerir duas coisas: o risco da saúde e o risco de o país parar. O impacto já está a ser enorme, se parasse durante o verão, a dificuldade do país em recuperar ia ser ainda mais difícil", considerou.

No entender de Didier Cabanes, a gestão de novos casos e aquilo que ditará se a transmissão será "descontrolada ou controlada" dependerá, efetivamente, de duas questões: da capacidade de as pessoas respeitarem as medidas de segurança e higiene, e da capacidade do sistema detetar os casos, testá-los e isolar os que testarem positivo.

"Se isto acontecer, se for controlado, acho que podemos passar o melhor possível o verão, sendo certo de que alguns casos, de certeza, vamos ter", afirmou, salientando ainda que a "conjugação" entre o final de férias e regresso ao trabalho pode vir a tornar-se uma situação "complicada".

"Além desta despreocupação, quando as pessoas regressarem ao trabalho, há a mudança da estação. O outono é o momento onde o vírus [da gripe] aparece e, ainda que tenhamos uma fase melhor durante o verão, a conjugação das duas coisas pode vir a tornar os meses de setembro e outubro complicados", salientou.

Acrescentando, no entanto, que tudo dependerá da capacidade de cada um "de ter consciência de que a pandemia não passou, o vírus [SARS-CoV-2] ainda está a aqui e se os cuidados pararem, o risco é muito grande, sobretudo porque não há medicamento, nem vacina".

Os afetos devem continuar mas cuidado nas deslocações é um dever cívico 

A investigadora Filomena Pereira considera que não se pode acabar com os afetos devido à covid-19, mas defende ser "um dever cívico" fazer 14 dias de quarentena quando se viaja de locais com mais casos para outros com menos.

"Eu acho que é um dever cívico de cada um de nós" fazer este período de quarentena e com isto "não estou a dizer para as pessoas não se deslocarem, não verem os seus familiares, porque isso também é importante. Não podemos acabar com todos os afetos por causa de uma infeção", mas ter o "máximo de cuidado possível", disse à agência Lusa a subdiretora do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT).

Segundo a médica da Consulta do Viajante, as deslocações dentro ou fora do país devem ter sempre em consideração o número total de casos de covid-19 por milhão de habitantes. "Quando as pessoas vão essencialmente de um sítio onde há mais casos para outros onde praticamente não existem, aí podemos ter um problema".

Merecem atenção especial alguns países que ainda têm um número considerável de novos casos diários como a Suécia, Reino Unido, Itália, Espanha, França, Alemanha ou Bélgica.

O mesmo se passa quando as pessoas se deslocam de zonas citadinas para zonas rurais. "Vamos viver com esta epidemia uns anos ainda, portanto, há duas coisas que temos de ter na cabeça: Primeiro, é que não vamos conseguir estar fechados os anos que vêm até termos uma vacina, um tratamento ou seja o que for. Nem nós nem a nossa economia aguenta".

Por isso, "devemos ser cuidadosos e tentar prevenir aquilo que já sabemos que traz complicações, mais problemas e mais mortalidade", sendo a principal prioridade proteger os idosos e as pessoas com mais risco de complicações.

"Isto é o que eventualmente podemos fazer, agora que há perigo de aumentar a transmissão naquela zona há. Como é que se diminui? Com a quarentena dos infetados e contactos próximos, com as máscaras e com a distância social", salienta.

Filomena Pereira adverte para o risco dos "grandes aglomerados nos condomínios, nos aldeamentos" e das excursões que, embora tenham menos pessoas, "são grupos e estão sempre a conviver".

O álcool é outra situação a ter em atenção. "As pessoas vêm, juntam-se, bebem e com o álcool não temos a noção daquilo que fazemos e em férias isso acontece muito". Há uma "série de coisas" que é preciso "ter muito em consideração quando se fala de abertura de fronteiras, mais turistas e de pessoas a irem de um lado para o outro".

"As pessoas estavam muito preocupadas com a praia, a mim não me preocupa grandemente, porque é ao ar livre, está calor, e o vírus não sobrevive assim tanto aos ultravioletas do sol. Portanto, a probabilidade de um grupo de pessoas contaminar o outro é relativamente pequeno", explica.

O que pode preocupar "são pessoas de casas diferentes, juntas no mesmo grupo na praia sem distanciamento". Podem encontrar-se desde que cumpram todas as medidas de proteção. "A pessoa pode ter o melhor aspeto do mundo, pode ser muito minha amiga, mas não sei se tem a infeção", adverte.

A médica acredita que se estas medidas forem cumpridas e se conseguir-se proteger os grupos de risco, Portugal vai "conseguir manter a situação num número de casos perfeitamente aceitável".

"Esta não vai ser a primeira nem a última epidemia e que isto ao menos nos sirva de lição para conseguirmos gerir as outras melhor logo de início e, sobretudo, não nos deixarmos levar por aquilo que se diz e escreve nas redes sociais e acreditar apenas naquilo que é a evidência científica", salienta.

"No início desta pandemia houve muito medo, pânico até, que se calhar não era necessário, porque se espalhavam notícias sem base científica em relação a coisas tão graves como até o modo de tratar a doença", lamenta.

Fechar Menu