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Sopapos ou só papos?

- Vou abrir os queixos e dizer tudo o que me vier à boca! Vocês vão ouvir dizer! – respondia ele.

Era uma vez... Não! Vou partir dum caso real, acontecido há muitos anos, para adaptá-lo aos tempos actuais.

O Sopapos era assim conhecido por causa do seu temperamento irascível e provocante que ameaçava resolver tudo aos sopapos. Irritava-se facilmente, por tudo e por nada invectivava e ameaçava tudo e todos os que o enfrentavam, questionavam ou simplesmente, estavam lá, junto dele, quando andava com os fígados...

Ficou-lhe a alcunha!

Com o tempo, todos, uns mais do que outros, foram desvalorizando e desprezando as ameaças do Sopapos porque eram mais as vozes que as nozes. Tanto assim que, os mais atrevidos, à boca pequena, corrigiam a alcunha.

- Sopapos?! Não! Aquilo é só papos!

Um dia, Sopapos foi notificado para se apresentar no Tribunal da Ponta do Sol. A vizinhança achou por bem incentivá-lo a demonstrar, no sítio próprio, a sua valentia. Era ali que se viam os fortes. E ele, mais do que ninguém, blá, blá...

- Vou abrir os queixos e dizer tudo o que me vier à boca! Vocês vão ouvir dizer! – respondia ele.

Pela manhã, lá foi o Sopapos na camioneta ao Tribunal da Ponta do Sol. E, pela tarde, Sopapos estava de volta a casa, para desencanto e curiosidade de toda a vizinhança.

- Então, Sopapos?

- Chamei-os de tudo! – respondeu.

- E eles ouviram? – questionou um dos vizinhos mais atrevidos.

- Isso não sei, porque só me lembrei quando já vinha ao Livramento para cima...

Vem esta história a propósito do contencioso das autonomias. Há quase cinquenta anos que ouço cobras e lagartos dos Governos de Lisboa (leia-se: dos governos não alaranjados de Lisboa). Onde, saliente-se o facto de, no final dos anos 90 do século passado, o Engenheiro António Guterres ter sido o único governante português a perdoar o significativo montante de 550 milhões de euros da dívida madeirense. Chamaram-lhe “o tonto”.

Passado esse perdão, bem mais recentemente, a Madeira encontrou umas facturas debaixo do tapete que contribuíram para que a dívida pública regional atingisse o recorde de 6.300 milhões de euros. Sem rodeios, o então Primeiro Ministro, Dr. Passos Coelho, em Janeiro de 2012, impôs um Plano de Ajustamento Económico e Financeiro que nós, todos os madeirenses e porto-santenses, ainda e por muito tempo, andamos a carregar.

Quando vejo algumas intervenções dos nossos governantes, aos “só papos” com Lisboa, com um discurso gasto de quase cinquenta anos, fico desiludido. Afinal, esta gente que tanto fala em elevação do discurso político, manda tudo às urtigas quando deveria orientar-se pela ética, pela praxis e respeito democráticos e diplomacia. Mas isso, parece que é só exigível aos outros...

Nestas circunstâncias, não posso deixar de evocar e parafrasear José Régio. A verdade é que, sinceramente, “Não sei por onde vou/ Não sei para onde vou”. Apenas sei que não quero ir para aí, ...

E, aos Só-papos da terra, é vê-los em veneranda procissão... até ao Livramento!

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