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TAP: a fatura de quatro anos perdidos

O tempo fez cair toda a cosmética da operação: irresponsabilidade na gestão, desrespeito pelos clientes

Em 2016, a Comissão Europeia alertava para o facto de o acordo de reversão da privatização da TAP, nos termos em que havia sido delineado, poder “implicar riscos orçamentais suplementares”. Também o Tribunal de Contas referia que aquele processo de reconfiguração da estrutura acionista da companhia aérea agravava substancialmente as responsabilidades do Estado, que, embora com mais capital, passava a ter menos direitos económicos, assumia novas obrigações financeiras e renunciava em absoluto à gestão executiva. O Governo renunciava ao controlo efetivo e a todas as garantias de salvaguarda de boa gestão e interesse público.

Tudo isto fazia antever o pior. E nem a euforia propagandística da operação conseguia esconder a inconsistência e as fragilidades das opções tomadas. Todas as promessas de sucesso assentavam numa bomba relógio que o próprio Governo construíra. O tempo fez cair toda a cosmética da operação: irresponsabilidade na gestão, desrespeito pelos clientes, instabilidade, insensibilidade estratégica, falta de rigor, falta de identidade, falta de transparência e falta de liderança, negócios colaterais pouco claros e, obviamente, prejuízos. Só nos últimos dois anos, a empresa apresentou prejuízos superiores a 200 milhões de euros, tem agora capitais próprios negativos de 580 milhões de euros e uma dívida financeira global de 3,3 mil milhões de euros, num cenário de colapso que levou a Comissão Europeia a recusar um acordo de reestruturação mais flexível num enquadramento relacionado com a pandemia. A bomba relógio rebentou no pior momento! E confirmou-se aquilo que, desde o início, se previa: o processo de reversão da privatização foi um verdadeiro desastre.

O Governo desperta então daquele sono silencioso de anos e volta a falar na importância estratégica da companhia e no interesse nacional, precisamente porque sabe que tem de voltar a impor sacrifícios aos portugueses, primeiro para satisfazer as exigências dos acionistas privados, que aproveitaram todas as fragilidades do acordo de reversão, e depois para colocar 1200 milhões de euros na recuperação da companhia aérea.

Creio que tudo isto impõe uma reflexão profunda. O envolvimento do Estado não pode continuar a significar apenas uma certeza de má gestão, quando o que deve acontecer é precisamente o contrário: deve ser garantia de rigor, competência, responsabilidade e transparência. É, pois, tempo de virar esta página negra e de assumir um plano de reestruturação estratégica liderado pelo Estado que, neste momento, não pode renunciar ao controlo e responsabilidade de gestão, tendo em vista a recuperação e valorização da companhia. O interesse público e o interesse nacional não podem continuar a ser apenas argumentos vazios jogados ao vento. O Estado tem de ter mão numa companhia tão importante para o país. É preciso que este plano de recuperação promova equilíbrios entre aqueles que são os legítimos interesses comerciais da companhia e a sua importância estratégica na proteção da soberania nacional, no equilíbrio e na descontinuidade territorial - na dispersão da nossa diáspora e nos desafios fundamentais das Regiões Autónomas.

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