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É a vida...

O súbito confinamento foi uma reacção impregnada de medo, esta acção contrária de reabertura ténue e gradual, é um drible arriscado em que se abre a porta para um (admirável) mundo (novo) desconhecido como na aparentada narrativa de Aldous Huxley. Vamos confiar nas indicações sanitárias, na sorte e sobretudo num bom senso com uma dose de fé, porque a vivência permanente entre quatro paredes, foi provocando desgaste. Contudo os despojos dessa guerra silenciosa assistem-se “cá fora” e acentuam-se. Somos agora figurantes de máscara obedientes, subservientes e amedrontados. As divindades do etéreo firmamento não imunizaram os seus fiéis e peregrinos do perigo invisível. Crentes e não crentes ficam todos no mesmo barco que navega nas águas da indefinição (e não pouca contradição), dum Adamastor microscópico, porém assustador. Fátima não resistiu à solidão no seu altar do Mundo. Pelo contrário a CGTP engalanou-se em festa com a cunha dos mais altos poderes de Estado, enquanto o manso povo mantinha-se confinado e com liberdades suspensas por decreto presidencial. Deu mesmo para ver o óbvio. O meu país com ou sem pandemia, é refém das excepções feitas por exímios alfaiates de vistas grossas.

Mas a pulsão humana da vida moderna, tal como na idade dos épicos navegadores quinhentistas, empurra-nos à vida. Mais do que uma premente necessidade é um impulso natural de desafio e de tentativa de superação. Mais um pináculo para contornar a tantos outros que coleccionámos, desde os escassos segundos da nossa breve história, enquanto espécie do calendário cósmico de Carl Sagan. Na era da informação imediata, as contradições veiculadas tolhem-nos os passos. A OMS anuncia nova vaga, para depois afirmar que essa réplica era improvável, mas, poucas horas depois volta a contradizer-se, e admite uma segunda vaga. Este nevoeiro também mata qualquer credibilidade.

Em qualquer crise há sempre ensinamentos e oportunidades. O termo “solidariedade” é também epidémico no mundo fácil dos discursos e das palavras ornamentadas de humanismo que não se palpam. Se a bela Europa deixou-se raptar por Zeus disfarçado de touro, num dos grandes mitos da Grécia Antiga até à ilha berço da Civilização Cretense, então mais do que nunca, hoje, este velho continente retalhado, permanece sequestrado pela sua visão obtusa ancorada a intestinos interesses do clube dos mais afortunados. O mesmo se passa no nosso país entre os poderes centrais e a RAM. A mesma Europa empapada em tanta contradição, já veio alertar para o cuidado especial que as regiões autónomas e o Algarve deverão ter por parte do Estado central, dada a sua peculiar dependência do sector turístico, mas em Lisboa onde tudo se decide, Costa e Marcelo abraçados na simbiose dos seus interesses, adiam as reivindicações da Madeira, dedicando-nos “bazucas” de desprezo aos apelos deste Portugal insular, afastado da macrocefalia central por mais de mil quilómetros de oceano.

Mesmo com toda a destruição ainda não totalmente contabilizada da nossa economia, o espectro político português cavalga os vindouros tempos eleitorais quer das eleições presidenciais, quer das eleições autárquicas, onde muitos edis, à falta de palco mediático e obra para cortar fita e assim perpetuar o seu embandeirado nome numa placa descerrada, apostam o seu “marketing” nas oportunas feiras da solidariedade para prova de vida. Pois é. A vida mudou, mas a política é a mesma.

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