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Extrema-direita eleva tensão no Brasil com ataques à China durante a pandemia

Foto EPA
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O especialista brasileiro em relações internacionais, Maurício Santoro, avisou hoje que governantes do país, defensores de ideais da extrema-direita contra a globalização, criaram turbulências desnecessárias ao responsabilizar a China pela pandemia da covid-19.

“As críticas não vão trazer uma alteração radical na diplomacia brasileira para a China, uma mudança neste nível seria impossível pela força da relação económica, mas a presença destas visões, deste posicionamento ideológico, cria turbulência e problemas desnecessários no meio da crise causada pelo novo coronavírus”, avaliou Santoro, professor de relações internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Em Março, o deputado [membro da câmara baixa] Eduardo Bolsonaro, que também é filho do Presidente do Brasil, usou as redes sociais para responsabilizar a China pela propagação da covid-19.

Pouco tempo depois, o ministro da Educação do país, Abraham Weintraub, publicou uma mensagem com alusões provocativas sobre a forma como os chineses se expressarem em português e acusou o país asiático de se beneficiar economicamente da pandemia.

No primeiro episódio, o embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming, pediu uma retratação formal do Governo brasileiro e contra-atacou duramente dizendo que Eduardo Bolsonaro apanhou um “vírus mental” numa viagem que fez aos Estados Unidos.

Já o ministro da Educação brasileiro foi acusado de racismo pelas autoridades chinesas, facto que posteriormente motivou um pedido de abertura de investigação pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no Supremo Tribunal Federal (STF).

Questionado sobre a oposição a China assumida por líderes brasileiros num momento em que o país luta para mitigar os problemas de saúde e da economia na pandemia, Santoro explicou que os dois casos mostram uma tentativa de responsabilizar um agente estrangeiro por problemas internos.

“Tais insinuações fariam parte das tácticas usadas com razoável sucesso pela extrema-direita antiglobalista” que, no país sul-americano, conta com a “adesão de membros do alto escalão” como o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, o ministro da Educação e os filhos do Presidente, segundo o professor da UFRJ.

“Os antiglobalistas defendem os ideais da extrema-direita dos Estados Unidos e de movimentos populistas e nacionalistas da Europa (...) É uma corrente que escolheu a China como sua principal opositora internacional e tem se mostrado muito crítica porque teme e tem muita ansiedade ante a ascensão chinesa no cenário global” explicou Santoro.

O analista ponderou que o grupo brasileiro também abraçou de forma muito forte a ideia de que a “China representa uma ameaça cultural a identidade brasileira”.

Questionado se tais conflitos prejudicam as tentativas brasileiras de comprar consumíveis médicos produzidos pelas indústrias chinesas, Santoro disse acreditar que o principal problema não foram os ataques, mas sim a forte procura no mercado mundial.

No entanto, o especialista não descartou a hipótese de que embaraços diplomáticos podem ter colocado o Brasil numa posição não prioritária no programa chinês de ajuda conhecido como “diplomacia das máscaras”, que tem feito doações e ajudado os países mais afectados pela pandemia a obterem equipamentos e consumíveis.

O Brasil “não é prioridade. Se olharmos as manifestações publicas dos diplomatas chineses, o que predominou foi esta disputa com o Governo brasileiro, embora o tema da cooperação internacional também esteja presente (..) A cooperação até existe, mas não na escala necessária. Isto também advém muito do Governo brasileiro”, concluiu Santoro.

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