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“Deixe seu amor ser conhecido”

Pois, “Let your love be known”, cantou Bono dos U2 no dia de S. Patrício (17 de março), dedicando a sua primeira canção nova passados três anos a todos os que a inspiraram, os italianos, irlandeses, médicos, enfermeiros, cuidadores na linha de frente, a todos os que, nesse dia, se encontravam em dificuldades ou situações críticas mas continuavam a cantar. Escrita espontaneamente, apenas uma hora antes de ter sido gravada e partilhada com o mundo, a canção fala do “silêncio”, “ruas desertas” e “isolamento” mas sugere que a “distância” não impossibilita emoções e mensagens de amor e apoio.

Efetivamente, todos os dias multiplicam-se as iniciativas de partilhar emoções positivas através da música, contrariando as ansiedades e medos induzidos pelo isolamento social ou quarentena imposta. Em São Francisco, onde sete milhões permanecem nas suas casas, um acordeonista passeou pelas ruas, oferecendo uma serenata a pessoas confinadas. Em Texas, proprietários de um supermercado contrataram uma banda dos mariachi para elevar, com grande sucesso, o ânimo dos clientes. Cantores profissionais na China e em Espanha cantaram das suas varandas para alegrar os seus vizinhos.

Em Itália, o país presentemente mais fustigado pelo coronavírus, foram promovidas várias iniciativas nacionalmente sincronizadas de “fazer música” ou simplesmente “fazer barulho” a partir das suas varandas e janelas, para demonstrar e reforçar a sensação de partilha, unidade e resistência, transcendendo a angústia provocada pela pandemia. No dia 13, às 18 horas, o Flash Mob Sonoro agilizou os cidadãos italianos do norte ao sul, unindo os músicos profissionais aos músicos de “panela e concha” numa manifestação de solidariedade e coragem. Cantou-se o hino nacional, canções populares da cidade ou região, canções pop, tal como a napolitana “Abbracciame”... Ao mesmo tempo decorria na televisão italiana “A Itália chamou”, uma maratona de 18 horas ao vivo, organizada pelo Ministério da Cultura, com músicos, artistas, atores e cientistas, unidos no seu esforço de sensibilizar, educar e animar a população. Já no dia a seguir, no final do dia teve lugar uma sessão nacional de pancadas com panelas e frigideiras sob o lema “Vamos fazer barulho para nos sentirmos mais próximos uns dos outros”.

A nível mundial, músicos conhecidos tais como Chris Martin (Coldplay), John Legend, Pink e Keith Urban, continuam a apresentar-se em direto e colocar os seus vídeos nos media. Na quinta-feira passada, o festival anual “Luck Reunion” do ícone da música country, Willie Nelson, em vez de reunir presencialmente 4 mil pessoas, foi transmitido em direto, gratuitamente, com contribuições de artistas, tais como, Paul Simon e Neil Young. A Rolling Stone lançou na quarta-feira passada uma série intitulada “in My Room”, para a aplicação IGTV, começando com Brian Wilson (dos Beach Boys), e contribuições de músicos conhecidos e emergentes.

Na área de música clássica, o famoso violoncelista Yo-Yo Ma continua a partilhar no Twitter as suas “#Songs of Comfort”, temas que lhe dão conforto. Várias instituições musicais, tais como a Filarmónica de Berlim, Ópera Estatal de Viena e Ópera Metropolitana de Nova Iorque, abriram os seus arquivos, canais e salas digitais, proporcionando livre acesso a centenas de horas de música da melhor qualidade. A BBC Arts lançou um festival virtual das artes, “Culture in Quarantine”, que será difundido através das suas plataformas da rádio, televisão e digital. O festival incluirá não apenas interpretações musicais, mas também radionovelas, atuações dos humoristas, visitas guiadas às exibições agora fechadas, diários de quarentena de artistas e gravações arquivadas.

Se bem que este período de incertezas resultou no cancelamento de milhares de eventos nas áreas de artes e entretenimento e, infelizmente, em incertezas pessoais dos milhares e milhares de artistas e membros das suas equipas de realização (sobretudo os independentes), temos agora a oportunidade de aceder a uma verdadeira abundância de todo o tipo de músicas, oferecidas gratuitamente por artistas e instituições solidários, e deste modo continuar a partilhar as experiências que nos podem ajudar a encarar os momentos à nossa frente com mais otimismo e alento. A Música – uma atividade humana que inspira partilha, solidariedade e comunhão e nos permite sermos mais humanos e mais abertos, não só a todo o mundo, mas também a nós próprios.

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