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De quarentena, na quaresma

Estamos de quarentena, na quaresma. Se, para os fiéis católicos mais fervorosos, a quaresma implica uma prática adquirida de recolhimento, jejum e penitência, para os restantes, onde eu me incluo, essa prática não faz parte das suas vivências, que é substituída pela voragem dos dias, consumidos num vaivém constante de afazeres e compromissos e que nos prende à materialidade.

A nossa dimensão espiritual fica completamente secundarizada se não formos capazes de abrandar e dedicar algum do nosso tempo à introspeção, para olharmos para o nosso interior e para além de nós. A reflexão implica silêncio. O Papa Francisco numa das suas homilias, em 2015, propôs que se fizesse silêncio, reflexão e oração para entender os sinais dos tempos.

E de facto, o isolamento e distanciamento social a que este tempo nos obriga é também uma oportunidade, em tempo de quaresma, para sairmos da nossa dimensão física, material e nos colocarmos numa atitude reflexiva, procurando sentido no que fazemos, no que pensamos e no que dizemos. A sabedoria adquire-se não apenas com a experiência da vida, mas também com a interrogação e reflexão sobre a mesma.

Jesus Cristo, após o seu batismo no rio Jordão e antes de começar a vida pública, passou 40 dias e 40 noites no deserto, rezando e jejuando (Mt 4:2). Tomar consciência e agir segundo essa consciência exige de nós uma postura altruísta e desapegada.

A crise sanitária, que depois se tornará económica e social, é um problema da humanidade, não uma questão individual. Ultrapassada a fase crítica da doença, a normalidade na vida de muitas pessoas, demasiadas, não será mais fácil, nem mais doce do que sempre foi. Também não sabemos como será a nossa. O medo tem de dar lugar à esperança e não ao egoísmo. Acredito é que daqui se irá extrair algo de bom em favor do coletivo, da humanidade. Se assim não for, estaremos a deixar uma oportunidade que a Natureza nos dá para repensarmos no paradigma de organização social e económica, que não deve descartar o fator ambiental.

A obrigatoriedade de nos isolarmos não é para escondermos a cabeça na areia e depois tirá-la quando tudo passar. Isolamo-nos para nos proteger, mas também para proteger o coletivo, pensando naqueles que não podendo estar como nós, sacrificam-se e mantêm os serviços funcionais. Por isso, reduzir o problema à escala individual é egoísmo.

“Para tudo já uma ocasião certa; há um tempo certo para cada propósito debaixo do céu” (Eclesiastes 3:2). E este momento é para parar. Por nós, pelos outros e pela humanidade.

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