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Namíbia festeja aniversário com estabilidade social de 30 anos em risco

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A Namíbia celebra hoje trinta anos de independência e o desgaste do partido no poder desde o início, ameaça o modelo de estabilidade social e económica africano alcançado na década de 1990.

“Trinta anos de independência significa, como em todos os países africanos, um retrocesso”, sublinhou à Lusa o empresário Manuel Coelho.

Na ótica deste empresário português, residente há mais de cinco décadas em Windhoek, capital do país, “os primeiros 10 anos de independência foram muito positivos, houve muito investimento estrangeiro e muita construção”.

Na década seguinte, sempre com o controlo da Organização dos Povos do Sudoeste Africano (SWAPO, na sigla em inglês), “começamos a ver muita corrupção, a imigração chinesa e a decadência, e nos últimos dez, particularmente nos últimos quatro, tem sido terrível”, disse.

Manuel Coelho aponta a mal administração e a corrupção galopante na função pública no antigo Sudoeste Africano (SWA, na sigla em inglês), como principais fatores para a “degradação” de um modelo de transição política e social considerado “um exemplo” no continente africano, aliado a uma “estagnação do setor da construção e uma economia em recessão.”

“É verdade, o país foi um grande exemplo, houve estabilidade política e económica, infelizmente já não o somos, na própria SWAPO já existem divisões no seio do próprio partido [no poder] e nem sequer vale a pena falar de estabilidade económica, porque isso então já não existe”, vincou à Lusa.

O empresário português considera que três décadas de independência “significam certamente mais sacrifício” e que as novas gerações de licenciados vão ter de procurar “trabalho e um futuro” noutros países, nomeadamente na Europa, porque “não vão conseguir encontrar trabalho e serão obrigados a emigrar”.

Além disso, refere Manuel Coelho, o governo namibiano está a preparar nova legislação de afirmação negra, seguindo o exemplo da vizinha África do Sul, por forma a “obrigar” as empresas a ceder uma percentagem do seu capital social por critérios raciais

“Esta lei irá acabar com o investimento estrangeiro no país e afetar ainda mais o resto da economia que já se encontra fragmentada, é um retrocesso semelhante ao da África do Sul e estamos também no mesmo caminho de ser um próximo Zimbabué, não há controle e há corrupção por todo o lado”, salientou.

“E quem não cumprir correrá o risco de pena de prisão”, declarou Manuel Coelho.

Após cerca de 23 anos de uma guerra de guerrilha contra o exército sul-africano, a Namíbia adquiriu a independência, em 21 de março de 1990, e Sam Nujoma, o líder do movimento SWAPO na altura, foi empossado como primeiro presidente do país pelo então secretário-geral das Nações Unidas, Javier Perez de Cuellar.

Após a independência em 1990, a economia da Namíbia manteve-se ainda ligada à da África do Sul, que administrara por 75 anos a antiga colónia alemã (1884-1915) depois de o território ter sido colocado sob a sua égide pela Liga das Nações.

O Presidente Hage Geingob, e atual líder da SWAPO, toma hoje posse para um segundo mandato perante uma República dividida pelo desgaste governativo de partido único, em queda de popularidade desde as eleições gerais em 27 de novembro de 2019, em que pela primeira vez na sua história obteve 65% dos votos e o candidato presidencial obteve menos votos que o seu próprio partido.

Em 1994, o partido SWAPO obteve uma maioria de dois terços nas primeiras eleições democráticas, um resultado que consolidou com cerca de 80% em 2014.

“Os últimos anos têm sido difíceis economicamente, a prudência fiscal negligenciada e, apesar de contínuas advertências, o Governo não atendeu à despesa pública. Em 2016, teve início uma recessão total, as narrativas populistas saíram pela culatra; as promessas não substituíram as realidades e o Plano de Prosperidade Harambee anunciado por Geingob, no seu primeiro ano como presidente, continua a ser uma ilusão”, considera o académico Henning Melber, do Departamento de Ciências Políticas da Universidade de Pretória.

Cerca de um milhão de pessoas [40% de 2.3 milhões de habitantes] vive em bairros precários, em pobreza absoluta, e mais de metade da população do país não tem acesso a saneamento público. O país ocupa o 130º lugar no índice de Desenvolvimento Humano 2019 de 189 países das Nações Unidas, segundo o especialista.

Em 2019, no discurso sobre o estado da nação, o chefe de estado namibiano declarou que “o país vive uma crise humanitária nacional”, reiterando a promessa eleitoral de atender à situação urgente e de construir “um país namibiano próspero, unido e inclusivo”.

Todavia, o académico sul-africano sublinha que, “no fim do seu primeiro mandato, o país está ainda mais longe desta mantra do que estava na altura da independência”.

“Na verdade, a Namíbia, que foi considerada por muitos anos uma história de sucesso internacional, entra neste segundo mandato de Geingob desgastada. Os ?’imites à libertação’ envenenaram o tecido social, uma identidade namibiana comum, acolhida com entusiasmo há 30 anos, foi perfurada por divisões de classe e etnia, ou ambas”, salienta Henning Melber.

O académico afirma que “o nepotismo e o autoenriquecimento de uma nova elite no poder não é um plano de prosperidade além da ganância individual num país rico com pessoas pobres”, como descreveu um estudo do Instituto local de Pesquisa e Recursos Laborais.

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