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Quando a realidade ultrapassa a ficção

Ainda me recordo da sensação de tranquilidade e segurança, quando saía de uma sessão de cinema, num domingo à tarde, algures nos anos noventa. Vinha de assistir a um filme de ação, daqueles futuristas com motas que voam e em que o planeta terra, sob ameaça de um vírus global, tinha sido todo destruído. Depois daquelas duas horas sombrias, o vislumbre do céu azul do Funchal, fez-me lembrar, que afinal, o mundo era um lugar seguro e que tudo aquilo não tinha passado de ficção.

Passados uns anos e aqui chegados, se hoje voltasse a passar por aquela porta de cinema, a impressão seria a mesma?

Daquilo a que temos assistido, não há como não achar que nos últimos anos, a realidade começa a parecer querer ultrapassar a ficção. Temos tido de tudo para todos. É o caos generalizado provocado pelo coronavírus, são os atentados terroristas, são as suspeitas que recaem sobre antigos presidentes do Tribunal da Relação de Lisboa, são os incontroláveis incêndios que dizimam a nossa ilha e o nosso país ou é o facto do mês de fevereiro ter sido o mais quente de sempre (!!), desde que há registos em Portugal. Os exemplos são muitos e poderiam ter saído de um qualquer guião de Hollywood.

Será mera coincidência o mundo estar a passar por todas estas crises? Será apenas uma fase? Ou será altura de arregaçarmos as mangas?

Estou em crer que chegou a hora de assumirmos o papel de protagonistas deste filme que já vai longo. Dos exemplos que dei, todos podem, com maior ou menor alcance, ser controlados pelo homem. Não podemos continuar a pensar, ainda que se calhar muitas vezes de modo inconsciente, que tudo irá acabar em bem; que aparecerá sempre alguém para resolver os problemas, ou, pior, que a natureza vai ela própria regular-se e encontrar solução para tudo. Reconheço, que de facto, é tentador pensar assim, porque se folhearmos um livro de História, dá a sensação que não houve mal algum sem cura e que depois da tempestade vem sempre a bonança. Mas será sempre assim? Quem nos garante não estarmos nós a fazer história?

A medicina, a saúde e as alterações climáticas, entre outros, deverão passar a ser prioridades bem definidas para todos. É certo que cabe aos governantes orientar e dirigir, mas é importante que todos nós, enquanto cidadãos, assumamos também essas prioridades, antes de tudo, nas nossas consciências. As ideias, as soluções e, finalmente, as ações, virão naturalmente por arrastamento. Todos os gestos contam. É o cano de escape do carro que deve ser reparado, é o lixo que deve ser separado, é o período de quarentena que deve ser respeitado, ou a queimada que não deve ser feita. Exemplos há muitos. Dizem que o êxito é a soma de pequenos gestos repetidos de forma consistente e eu acredito nisso.

Não quero de todo parecer alarmista, mas temos de começar a pensar que mundo queremos deixar para os que vêm a seguir. Todos os avanços tecnológicos e civilizacionais, só fazem sentido, se houver condições naturais para os desfrutar. Sem essas condições, tudo deixa de valer a pena. Houve um tempo, em que, até a mim, palavras desta natureza pareciam exageradas e desfasadas da realidade, mas creio termos chegado ao momento em que o dia de amanhã é hoje. Por isso não percamos mais tempo. Coincidência ou talvez não, como se não bastassem os exemplos que já temos, enquanto começo a esboçar estas linhas a terra cisma em tremer e os quadros caem. “Palavras certas”! - dirá quem sabe?

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