Madeira

Devastador

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Boa noite!

O dilúvio na Ponta Delgada mexeu comigo. Por ter raízes nessa bela freguesia, por sentir o sofrimento de quem tudo perdeu num ápice, por perceber quão impotentes somos perante os fenómenos não previstos, ditados por uma natureza rebelde a que se juntam eventuais desleixos humanos.

Custou ver que mesmo perante o dobro da precipitação estimada nenhum alerta fosse dado no sentido de antecipar auxílios às populações em risco. E nem falo dos coloridos avisos meteorológicos pois, como se sabe, não passam de previsões sujeitas a evoluções. Falo da leitura dos factos em tempo útil que obrigam a medidas imediatas.

Custou ver a água sair do seu curso por vezes estrangulado, arrastando tudo o que havia pela frente.

Custou ver o povo irremediavelmente isolado enquanto alguns aventureiros desafiavam recomendações e o bom senso, percorrendo de carro as estradas ribeiras de telemóvel em punho.

Custou ver alguma ingratidão dos que se julgaram mais importantes do que todos os outros só porque a ajuda tardou pelas simples razão que foi preciso afastar rocha antes de chegar aos seguríssimos túneis onde estavam abrigados.

Custou ver ordens superiores que tentaram calar operacionais, como se a obstrução à informação resolvesse alguma coisa.

Custou ver o cemitério alagado, transformado em depósito de detritos e em vazadouro de lamas. A última morada daqueles que amamos, da minha avó e de muitos outros familiares, é espaço de descanso eterno, desta vez inevitavelmente perturbado.

Mas foi encorajador constatar que nenhuma vida se perdeu e que desde a primeira hora os autarcas do concelho de São Vicente trocaram o conforto do dia de festa pela entreajuda em contexto adverso, agreste e devastador.

Foi gratificante ouvir que a solidariedade espontânea não demorou, o que é lição para quem manda. Primeiro está o bem comum e, por estes dias, é a população da Ponta Delgada e de Boaventura que mais necessita de apoio efectivo e desburocratizado, de uma palavra honesta que incentive à reconstrução e de empenho colectivo. Cabe aos decisores ser ágeis e vigilantes, a tomar nota dos bons conselhos e a corrigir o que voltou a surpreender.

Às tantas, todos quantos sentem haver um Norte na sua vida, devem ter ouvido o apelo para ajudar o bom povo de Ponta Delgada e da Boaventura. Para evitar atropelos, digam-nos sem receio em que podemos ser úteis, sem atrapalhar a tarefa dos especialistas na reconstrução, nem perturbar aqueles que depois de um Natal em contínuo sobressalto precisam agora de paz e carinho.

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