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Mais de 20 mil polícias manifestam o seu descontentamento nas ruas de Paris

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Mais de 20 mil agentes responderam hoje presente a uma convocatória dos três principais sindicatos da polícia francesa para uma manifestação inédita em quase 20 anos para travar os suicídios no seio da corporação e reivindicarem melhores condições de trabalho.

“A Alliance apelou todos os sindicatos a manifestarem-se porque este ano já houve mais de 50 suicídios na polícia e é preciso que o Governo faça alguma coisa. Mas também há o cansaço acumulado entre a polícia devido à falta de efetivos depois de meses de manifestações dos coletes amarelos, a falta de material e a reforma do sistema de pensões”, explicou à agência Lusa Johann Caballero, delegado nacional do sindicato Alliance Police Nationale, o maior sindicado de polícia.

A manifestação começou na Praça da Bastilha, onde centenas de polícias se concentraram, vindos de vários pontos do país, reunindo cerca de 22 mil pessoa, segundo os sindicatos.

Esta união entre sindicatos é inédita, já que desde 2001 não havia uma marcha conjunta e a principal justificação é o elevado número de suicídios e a situação limite que vivem muitos polícias depois do início das manifestações consecutivas dos “coletes amarelos”.

“[Um dia típico de um polícia são] 15 a 16 horas de trabalho diário, com duas ou três horas de deslocação se vier de fora de Paris. Vai equipar-se, com material que pesa 18 quilos e, dependendo do que lhe for atribuído, vai estar em frente aos manifestantes, vai andar 10 quilómetros, vai ser agredido, vai levar com projeteis e esperar que possa voltar para casa. Quando se faz isto quatro ou cinco dias sem repouso, torna-se muito cansativo e não há tempo para a família”, acrescentou à Lusa o dirigente sindical.

Este desgaste tem-se acentuado nos polícias da região parisiense que para além do trabalho quotidiano nalguns dos bairros mais perigosos em França, têm depois de trabalhar também aos fins de semana.

“Quem trabalha em Seine-Saint-Denis não sabe o que lhe vai acontecer durante um dia normal de trabalho e nem sabe se vai chegar a casa à noite. É uma profissão perigosa que nos leva a encontrar delinquentes e criminosos. Depois, partimos para as manifestações dos ‘coletes amarelos’. Já vamos na 45.ª manifestação e os polícias estão cansados”, contou Stephane Finance, representante dos polícias da região de Seine-Saint- Denis que atua na brigada anticrime desta região dos arredores da capital francesa.

Esta quarta-feira, os “coletes amarelos” voltaram a não dar descanso à polícia. Após o cortejo ter partido da Bastilha em direção à Praça da República, Eric Drouet, figura emblemática do movimento, apareceu e teve de ser protegido pelos polícias de serviço, gerando alguma confusão.

Outros “coletes amarelos” à sua volta injuriaram os polícias participantes na marcha chamando-lhes “assassinos” e “bárbaros”.

Segundo Stephane Finance, o cansaço acumulado dos polícias gera um “risco psicossocial” que leva ao suicídio, sendo que muitos polícias utilizam a arma de serviço para pôr fim à vida.

“Chegámos a uma situação explosiva”, explicou.

Em declarações à Lusa, a agente Marine disse que veio de Montpellier para se manifestar e tal como todos os polícias presentes nesta manifestação tirou um dia de férias ou de folga para vir a Paris.

Os polícias, tal como os militares, não têm direito a justificar um dia sem trabalhar por motivo de greve.

Marine, polícia há quatro anos, disse à Lusa que está sem dormir há sete noites.

“Não temos pessoas suficientes. Eu trabalhei durante sete noites seguidas e estou aqui sem dormir. Tínhamos dois carros de serviço, mas nenhum deles funcionava. Portanto, para sair tivemos de encontrar outros meios. Estamos cansados e o nosso comissariado não tem condições nenhumas”, frisou a agente.

Mas as consequências da profissão são também ressentidas pelas famílias.

“Nós evitamos dizer que somos mulheres de polícias, porque somos insultadas. Somos ameaçadas de morte todos os dias na associação e dizemos aos nossos filhos para não dizerem que têm um pai ou uma mãe polícia, porque senão são agredidos. Não é uma vergonha para nós, mas somos obrigados a esconder para a nossa própria segurança”, afirmou Isabelle, membro da Associação de Mulheres das Forças de Ordem em Fúria, que também desfilou hoje à tarde em Paris.

Com um caixão coberto com a bandeira francesa e com as caras tapadas em luto, estas mulheres pedem mais medidas para travar os suicídios, mais proteção para as famílias dos polícias e mais medidas para a conciliação da vida familiar a profissional.

O ministro do Interior, Christophe Castaner, anunciou em setembro a criação de uma linha especial de urgência para os polícias em risco de suicídio, assim como uma campanha que vai promover o ‘slogan’ “Ser forte é também pedir ajuda”, mas os sindicatos pedem mais investimento.

“Esperamos que o ministro esteja do nosso lado, mas já sabemos que isso é mais política do que outra coisa. Queremos que sempre que alguém ponha em causa as forças da ordem, o Governo nos defenda. Precisamos que alguém reconheça o nosso desgaste físico e psicológico, com mais investimento. [...] Hoje somos muitos e, se for preciso, vamos continuar”, concluiu Johann Caballero.