O lado obscuro do crescimento económico
A relação entre crescimento económico e melhoria das condições materiais de vida é, à primeira vista, uma narrativa de triunfo humano sobre a escassez. Ao longo dos últimos séculos, as sociedades modernas afirmaram-se como capazes de manipular a natureza, expandir a produção e multiplicar bens e serviços, acreditando que nesse processo se encontraria a libertação do sofrimento e a realização do bem-estar.
Contudo, uma análise mais profunda revela que essa narrativa é atravessada por contradições fundamentais, que desafiam a própria ideia de progresso tal como a modernidade a concebeu. O primeiro ponto de reflexão diz respeito à própria noção de crescimento económico como valor supremo. Nas sociedades contemporâneas, o aumento contínuo da produção e do consumo tornou-se um imperativo quase moral, como se a economia fosse uma entidade viva a que se deve obediência. Contudo, já filósofos como Hannah Arendt (1906-1975) ou Herbert Marcuse (1898-1979) advertiam que a redução da vida humana à lógica produtiva e utilitária encerra um empobrecimento existencial: ao viverem para produzir e consumir, os indivíduos arriscam perder a capacidade de contemplação, de ação política e de liberdade interior. O crescimento económico, quando tomado como fim em si mesmo, transforma-se numa forma subtil de servidão moderna. Outra dimensão crucial consiste na relação do ser humano com a natureza. A modernidade ocidental baseou-se na crença cartesiana de que o ser humano é um mestre e possuidor da natureza, legitimando a exploração de recursos como se a Terra fosse um simples meio para fins humanos. No entanto, a crise ecológica contemporânea revela o erro dessa postura: ao ultrapassar os limites do planeta, tornamo-nos vítimas da nossa própria hybris (1). A destruição de ecossistemas, o aquecimento global e a perda acelerada de biodiversidade são sintomas de uma visão de mundo que separa radicalmente humanidade e natureza, ignorando a interdependência ontológica entre elas. Pensadores como Hans Jonas (1903-1993) defendem, por isso, uma ética da responsabilidade, onde a ação humana deve ter em conta as consequências a longo prazo e a vulnerabilidade das gerações futuras. Há, igualmente, uma dimensão ética e social que problematiza a suposta virtude do crescimento económico. Embora tenha aumentado a riqueza total do mundo, distribuiu-a de forma profundamente desigual. Assim, surgem questões filosóficas sobre justiça e equidade: pode um modelo de desenvolvimento ser considerado bom se perpetua a exclusão de muitos e a opulência de poucos? Autores como John Rawls (1921-2002) lembram que instituições justas devem organizar a sociedade de modo a beneficiar prioritariamente os mais desfavorecidos. A realidade, porém, mostra o contrário: o crescimento económico, frequentemente apresentado como solução universal, tem servido muitas vezes para legitimar desigualdades estruturais e reforçar relações de poder que privilegiam minorias e sacrificam maiorias. Para além dessas questões, há ainda uma crítica existencial importante: a crença de que a melhoria das condições materiais basta para garantir a felicidade ou o florescimento humano. Diversas tradições filosóficas, desde Aristóteles ao Budismo, sustentam que o bem-estar humano depende não da acumulação ilimitada, mas de uma medida justa, de uma vida equilibrada, de relações saudáveis e de um sentido interior de propósito. O crescimento económico, ao incentivar o consumismo e a busca incessante, pode gerar mais insatisfação do que contentamento, alimentando uma espécie de vazio espiritual característico do ser humano contemporâneo. Assim, a prosperidade material pode coexistir com uma profunda carência existencial e a reflexão filosófica conduz-nos a uma conclusão inevitável: não basta melhorar materialmente a vida humana se, ao fazê-lo, destruímos as condições ecológicas que a tornam possível, agravamos injustiças sociais e empobrecemos espiritualmente a existência. O desafio do nosso tempo não é o de rejeitar o desenvolvimento, mas o de reformular radicalmente o ideal de progresso. Isso implica reconhecer que o bem-estar humano não se esgota no crescimento económico, mas assenta em princípios mais amplos, como a justiça, a responsabilidade, a sustentabilidade e a plenitude existencial. O verdadeiro avanço civilizacional deste século poderá residir não na capacidade de produzir mais, mas na sabedoria de produzir o suficiente; não na conquista ilimitada da natureza, mas na integração harmoniosa com ela; não na expansão incessante dos mercados, mas no cultivo de vidas significativas. Só assim será possível conciliar a dignidade humana com a continuidade da vida no planeta, ultrapassando a visão estreita da contemporaneidade e inaugurando um novo paradigma ético e filosófico.
(1) Do Grego antigo - arrogância, orgulho desmedido.