Racket
Na sua actividade criminosa, os gangsters desenvolveram algumas formas de negócio, nos tempos da “Lei Seca” dos anos 30 em Chicago, se não originais, pelo menos de grande sucesso, assunto popularizado pela literatura policial e pelo cinema.
Um delas era o “racket”: um esquema criado para gerar lucros através de ameaças (por vezes concretizadas), ou outros meios coercivos, igualmente ilegais. Podia integrar extorsão, fraude, suborno, ou combinação entre eles, no sentido de apoderar-se de dinheiro, ou outros bens, de indivíduos ou empresas.
Distinguiu-se nessa arte Alphonse Gabriel Capone, mais conhecido por Al Capone, ou “Scarface”, que chegou a ser capa da revista Time em 1930, como uma das pessoas mais influentes na América, mas que acabou por ser preso por evasão fiscal, ficando por julgar outros casos bem piores, como o massacre de S. Valentim (seis mortos).
Tempos idos, que não deixaram saudade.
Mas parece que alguma coisa ficou.
Ao fim de muitas gerações (e muitos conflitos) as relações internacionais têm-se pautado por normas cordatas, expressões corteses, acordos de cavalheiros – ainda que por vezes acabem em guerra. Mas, mesmo nesse caso, com regras.
Modernamente, as coisas descambaram. O insulto substitui o argumento, a ameaça prevalece sobre a discussão, e o facto consumado antecede a eventualidade. E a actual Administração americana tem-se mostrado perita nesta nova abordagem.
O folhetim das tarifas constitui o melhor exemplo da nova diplomacia (?). Ameaças de até 100% foram já enunciadas, para serem em seguida reduzidas, em função de acordos futuros, em tempos luminosos em que a Pax Americana reinaria sobre a Terra. Deixando investidores, governos e cidadãos em stress sobre coisas tão simples como saber se pode ir de férias, e para onde.
O discurso populista está-se a tornar numa espécie de mantra, ou ladainha, em que a repetição ultrapassa a compreensão.
Se não, vejamos. As tarifas sobre as importações não são de agora. Surgem cada vez que há uma crise interna, económica e/ou política, e urge erguer barreiras contra o inimigo esterno, real ou bode expiatório.
Ninguém cava trincheiras para atacar o adversário: constrói obstáculos para o deter. Logo, as tarifas não são uma demonstração do poderio da América: são a demonstração das suas fraquezas. O slogan MAGA (Make America Great Again) não indicia outra coisa.
Portanto, o método de negociação pela ameaça ou extorsão revela a incapacidade da relação aberta. Como no tempo de Al Capone, é mais rápido e fácil o racket do que a concorrência aberta.
E assim se baixaram as tarifas a um país árabe – desde que comprasse 25 aviões Boeing (em mal de popularidade); ou à Europa, desde que comprasse gás e petróleo americano e investisse muitos milhões nos EUA (o que parece que os americanos não querem fazer).
Resta tirar partido disso.
Como de outras grandes questões em aberto, como a tão badalada AI, sobretudo a área dos serviços, em que o virtual não se compadece com a cidadania; em que a Europa continua a dispor de um ensino de qualidade; em que as Universidades não são confrontadas com preconceitos ideológicos; e pode até servir de porto de abrigo aos perseguidos de Além-Atlântico – precisamente o que fizerem os Estados Unidos com os perseguidos da Europa dominada pela extrema-direita nos anos trinta do século passado.