As mulas das cooperativas
Estas linhas podiam ser sobre membros de cooperativas que adquirem apartamentos a custos controlados, para depois os colocarem no mercado do arrendamento ou do alojamento local. E podiam ser sobre a – estranha – fé que o Governo Regional deposita na capacidade das cooperativas, para, conjuntamente, com “meia dúzia” de habitações públicas, resolverem a crise da habitação. Ou podiam ser sobre a total ausência de políticas e medidas destinadas a aumentar a oferta de casas, nomeadamente, através da dinamização dos mercados do arrendamento, da construção e da reabilitação.
Mas não são. Este texto é sobre todos aqueles que entendem que podem colocar os seus interesses pessoais à frente dos interesses comuns. Que sentem que podem utilizar instrumentos e recursos públicos para obterem proveitos e lucros privados. Que olham para qualquer “crise” como uma oportunidade para enriquecerem à custa das necessidades e do sofrimento dos outros. Que estão sempre prontos para aproveitar qualquer expediente escondido nos alçapões da lei. É sobre um País e uma Região reféns de interesses pessoais e corporativos.
Na verdade, os cooperantes da CORTEL que viram nesta cooperativa, e nos respectivos apartamentos, uma oportunidade de negócio, são o retrato fiel de um mal que afeta, de forma transversal, a nossa sociedade. Uma sociedade largamente dominada pelo egoísmo, pela falta de civismo e de ética e pelo “chico-espertismo.” Pelas mulas de (muitas) cooperativas, públicas e privadas.
Mulas que olham para os recursos públicos como sendo seus. Que não se importam de desviar o que é que de todos em proveito próprio. Que acham que têm o direito de transformar os benefícios fiscais, o investimento público e a despesa pública em oportunidades de negócio, de obtenção de rendimentos ou de manutenção de privilégios. Que só são contra a corrupção e/ou o despesismo, quando não conseguem extrair algum benefício dos mesmos. Que querem que muitos paguem o que é para eles.
E estas “mulas” não querem verdadeiras reformas, nomeadamente, qualquer mudança que afete os seus interesses instalados. Sabem que muito está mal, e até defendem a necessidade de reformas, mas o seu ímpeto transformador termina na sua esfera de interesses patrimoniais e pessoais. Tudo o que mexa com os mesmos, mesmo que seja o melhor para a sociedade como um todo, é para rejeitar ou meter na gaveta. Não têm qualquer perspectiva de futuro ou comunitária. Não trocam o lucro ou os privilégios de hoje pelo futuro de amanhã.
Por último, as “mulas” condicionam, decisivamente, a actividade política e legislativa, obrigando os respectivos decisores a tentarem prever (e evitar) as múltiplas possibilidade de abuso e de fraude susceptíveis de ocorrer no âmbito das iniciativas – bem intencionadas – por si promovidas. E as excepções, as fiscalizações e os cintos de segurança assim criados, e vertidos nas leis, acabam por ser tantos, que, na prática, as medidas adotadas – quando o são – perdem qualquer eficácia, tornando-se insipientes.
E enquanto assim for/formos, com maior, ou menor, PIB, continuaremos pobres e na cauda da Europa.
Pois é assim que estas “mulas” nos querem…