A coragem de ser autêntico
“Nem todas as pessoas merecem conhecer a nossa história.” Porque partilhar a nossa verdade é um presente que só devemos oferecer a quem a escuta com empatia, e acolhe com cuidado e dignidade
Muitos de nós crescemos a esconder as lágrimas, a disfarçar o medo, a sorrir quando o mundo desaba, a ficar quando só queríamos partir. Crescemos com a ideia de que vulnerabilidade é fraqueza (sobretudo os meninos) , quando, na verdade, é exatamente o oposto.
Acompanho há mais de 10 anos o trabalho de Brené Brown, investigadora norte-americana que dedicou e dedica a vida ao estudo aprofundado da vergonha, do medo e da coragem. Brené revela uma verdade poderosa; é na vulnerabilidade que começa a nossa autenticidade, porque só quando nos despimos das defesas, é que nos mostramos inteiros.
A vulnerabilidade é aquele espaço sagrado onde nasce a conexão humana mais verdadeira. Porque só quando nos permitimos ser vistos por quem realmente somos, perfeitos nas nossas imperfeições, com dúvidas, com dores, é que abrimos espaço para que o outro nos veja também.
Para vivermos uma relação (seja ela qual for) onde a verdade e a autenticidade estão presentes tem que existir uma comunicação e corajosa e honesta.
A vulnerabilidade traz conversas que vão muito além da superfície. Fala-se de feridas, inseguranças, limites, desejos e sonhos com honestidade, mesmo quando é desconfortável. E em vez de julgamentos, há escuta. Em vez de defesa, há curiosidade. O outro ouve para compreender, não para responder.
Há espaço para ser quem se é, sem máscaras. Nenhum dos dois precisa fingir força constante, nem esconder o medo, a tristeza ou a dúvida. A mulher pode dizer "estou cansada" sem ser vista como fraca, o homem pode dizer "não sei lidar com isto" sem que a sua masculinidade seja posta em causa. Há liberdade emocional.
Há reciprocidade emocional. Nenhum dos dois é o “forte” ou o “frágil” da relação. Ambos têm momentos de força e de fragilidade. Há um equilíbrio natural em que ambos se apoiam e são apoiados. A vulnerabilidade não é um fardo que cai sempre sobre um, é partilhada com maturidade.
Há confiança e respeito como base. Partilhar vulnerabilidade só é possível quando o outro não ridiculariza, não minimiza, não usa contra. Há confiança profunda de que o que se revela será acolhido e cuidado, não humilhado.
A intimidade emocional fortalece a física. A proximidade emocional que nasce da vulnerabilidade fortalece o desejo, o toque e a intimidade física. Há ligação, não só no corpo, mas na alma. O amor não é só paixão, é pertença, é segurança, é presença.
Há consciência de limites. Vulnerabilidade não significa exposição sem critério. Ambos aprendem a dizer "não estou pronto para falar disto" ou "isto é sensível para mim". E o outro respeita, sem forçar, sem pressionar. É uma relação que acolhe e não invade.
Ou seja, numa relação com vulnerabilidade, ninguém precisa ser perfeito, apenas verdadeiro. É uma relação onde o amor não exige disfarces, e onde se pode respirar fundo e dizer: “posso ser eu, inteiro, aqui.” É uma relação que é porto de abrigo, espaço seguro.
Tenho a convicção, que costumo partilhar principalmente com quem acompanha os meus estudos em neurolinguística e na parentalidade generativa, de que, sob a perspectiva do desenvolvimento humano, ser vulnerável é uma das maiores expressões de amor-próprio. É um ato de confiança. Confiamos em nós próprios o suficiente para saber que mesmo expostos, somos dignos. E confiamos no outro o suficiente para lhe mostrar quem somos por dentro. Sem máscaras.
“Não se chega à coragem sem enfrentar a vulnerabilidade.” Por outras palavras, a verdadeira direção, inspiração e autenticidade exigem vulnerabilidade, não como fraqueza, mas como caminho para a coragem.
Mas há um limite que precisa ser reconhecido e claro. Ser vulnerável não é despejar o nosso íntimo em qualquer colo disponível, é escolher com consciência onde e com quem nos abrimos. A vulnerabilidade só é saudável e transformadora quando é recebida com respeito, escuta e validação. Abrirmo-nos perante quem desvaloriza as nossas emoções, ridiculariza os nossos sentimentos ou corrige a nossa dor com frases feitas, não é coragem, é uma exposição perigosa. E isto é válido para todas as relações: entre casal, pais e filhos, amigos...
Ser vulnerável é um filtro natural. Quando nos mostramos sem defesas, o mundo divide-se: há quem se afaste, desconfortável com a verdade; e há quem se aproxime, aliviado por encontrar alguém de carne e osso, real, verdadeiro, autêntico. E são esses que importam. Os que nos escutam sem julgar. Os que validam o que sentimos. Os que nos devolvem a coragem de sermos quem somos.
Vulnerabilidade não é fraqueza. É risco, sim. Mas é também liberdade. É nela que começa a autenticidade, e com ela, a possibilidade de uma vida com mais verdade, mais amor, mais sentido e significado.