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Habitação: um direito em incumprimento

A Constituição da República Portuguesa consagra, no seu artigo 65.º, o direito a uma habitação condigna. Este princípio elementar, que deveria ser pilar da justiça social, tornou-se num ideal inacessível para a maior parte da população jovem portuguesa. A crise habitacional que enfrentamos não é apenas económica: é também jurídica e estrutural, alimentada por décadas de desinvestimento público, legislação descuidada e políticas urbanas que apesar de muito insuficientes favoreceram o lucro em detrimento da dignidade.

É dever do Estado através de políticas públicas e sociais assegurar o acesso à habitação, promovendo a construção, a reabilitação e o arrendamento acessível. Porém, o realizado ao longos dos últimos 10 anos é manifestamente insuficiente, os desafios persistem na articulação entre políticas públicas, os mecanismos de apoio revelam-se desajustados face à realidade concreta e as pessoas continuam a enfrentar obstáculos que comprometem a sua dignidade. A legislação mais recente, é manifestamente insuficiente e quiçá em alguns casos inconstitucional, recorde-se o arrendamento forçado de casas devolutas, que apenas contribuíram para um clima de insegurança jurídica.

No xadrez da vida, o mercado manda. A liberalização do arrendamento, a especulação imobiliária e o peso do alojamento local empurraram famílias para fora das cidades onde nasceram e escolheram viver para se criarem zonas residenciais de luxo que coexistem com realidades de emergência social. Nas cidades do sul da Ilha, como por exemplo no Funchal, os jovens, e a classe média não conseguem pagar uma renda, muito menos comprar uma casa.

Apesar da venda que outrora lhe cobria os olhos e que hoje lhe ata as mãos a Justiça continua incapaz de dar resposta a este problema. Os tribunais, já sobrecarregados, são lentos e pouco acessíveis, deixando de ser a melhor opção para assistir quem a eles recorrem. Falta, portanto, uma justiça habitacional célere, preventiva e verdadeiramente acessível. A lei do arrendamento urbano sofre alterações sucessivas que minam a confiança de senhorios e inquilinos, criando um ambiente de permanente instabilidade, que não abona à manutenção dessas relações.

O direito à habitação não pode continuar a ser tratado como uma utopia constitucional. É preciso investir em soluções concretas, como o arrendamento acessível e uma maior reabilitação pública do parque habitacional. Mas mais do que isso, é urgente tratar a habitação como aquilo que verdadeiramente é, um direito fundamental e não um ativo financeiro.

A responsabilidade é coletiva, mas começa por quem legisla, gere e fiscaliza. Enquanto isso, os portugueses continuam à espera de que o direito à habitação saia do papel e entre, finalmente, nas suas vidas.