Quando a viagem começa antes da mala feita
Julho chegou, e com ele aquela vontade de sair, desligar e descobrir novos lugares. Mas a verdade é que, antes mesmo de escolhermos o destino, já fizemos um percurso inteiro online. Entre sugestões do Instagram, vídeos no TikTok e blogs de viagens, quase sentimos que já lá estivemos antes de comprar o bilhete.
Lembro-me de quando viajar era abrir um mapa em cima da mesa da cozinha ou pedir folhetos numa agência de viagens. A escolha envolvia mistério e alguma sorte. Hoje, abrimos o telemóvel e encontramos um mundo filtrado, editado, com sugestões feitas à medida dos nossos cliques anteriores.
O fenómeno dos influencers de viagem é cada vez mais evidente. Nas mais recentes conferências sobre comunicação digital, tem-se falado muito sobre este novo turismo guiado por redes sociais. O que antes era uma decisão pessoal ou familiar, hoje é, muitas vezes, moldado por criadores de conteúdo. E não se trata só de promoção de destinos. Trata-se de como esses lugares passam a ser vistos, vividos e até transformados.
Basta pensar em Bali, que já foi sinónimo de retiro espiritual e hoje é palco de smoothies coloridos, poses de yoga, vídeos de drone e pores-do-sol milimetricamente enquadrados no Instagram. Ou mesmo aqui, onde certos cafés, ruas ou miradouros se tornaram “paragens obrigatórias” porque alguém os partilhou num vídeo viral. A verdade é que, mais do que conhecer um local, muitas vezes vamos à procura daquela imagem que vimos passar no ecrã.
Há impactos positivos, claro. Esta visibilidade pode impulsionar a economia local. Muitos destinos já contratam agências para atrair influenciadores e beneficiam com essa exposição, conseguindo chegar a visitantes que, de outra forma, talvez nunca os considerassem. Mas há também desafios. Quando todos procuram o mesmo spot, com a mesma foto, perde-se a autenticidade. E os próprios moradores começam a adaptar os espaços: não para viver, mas para agradar à lente.
O TikTok, em particular, tem tido um papel central. Já não é só uma aplicação de danças e piadas rápidas. É uma plataforma onde se descobre música, moda, lugares, ideias. O que aparece no feed de cada um parece casual, mas é o resultado de escolhas algorítmicas que nem sempre percebemos. E isso levanta questões: o que fica de fora? Que vozes são amplificadas?
Por outro lado, há algo de bonito nesta revolução digital. Pequenos criadores, vozes fora do centro e novas perspetivas estão a ganhar espaço. A cultura torna-se mais participativa, mais aberta. Mas temos de estar atentos. Porque quando todos seguem a mesma tendência, a criatividade corre o risco de se diluir.
Há algo neste tema que me toca especialmente. Talvez por lidar todos os dias com quem cresce neste mundo filtrado. Talvez por acreditar que ainda é possível parar para olhar com mais atenção. Há aqui uma oportunidade de aprender a ver para além do ecrã, de cultivar o espírito crítico e a curiosidade, mesmo num mundo acelerado por cliques e tendências.
Viajar continua a ser uma das experiências mais transformadoras que podemos ter. Mas talvez seja hora de abrandar o scroll e viver mais o momento. Por isso, deixo um pequeno desafio para estas férias: comprem uma máquina fotográfica descartável. Levem-na convosco. Fotografem sem ver logo o resultado. E só revelem as imagens no regresso. Quem sabe não será essa a verdadeira viagem.