Há raposas no galinheiro!
Era uma vez um grande galinheiro onde viviam galos, galinhas e os seus pintainhos. Certo dia, uma raposa procurou as aves responsáveis pelo lugar e aparentando bondade e simpatia, propôs: “amigos, por favor não se assustem, nem tenham medo de mim. Agora sou uma raposa regenerada, assim como as companheiras do meu bando. E em nome delas vim aqui especialmente para fazer uma proposta!”
- Uma raposa boa? - exclamaram desconfiados e guardando distância. - isso é muito esquisito!
A raposa continuou: “eu e as minhas colegas raposas estamos cansadas de viver correndo de um lado para o outro, fugindo dos caçadores. Hoje estamos amadurecidas e resolvemos mudar de vida. Transformamo-nos em raposas boas e respeitadoras de todos os galinheiros. Tanto que seríamos incapazes de fazer mal a um só pintainho que fosse. Agora só nos alimentamos de frutos silvestres! – exclamou, conferindo emoção às palavras.
E continuou: ”queremos apenas um local para viver em paz com todos. Um lugar sossegado como este galinheiro, e nós gostaríamos muito de vir morar aqui com vocês!
- Morar connosco aqui no galinheiro? Não acredito! - exclamaram as aves, quase que em uníssono, sem crer no que estavam ouvindo.
“Calma, calma, meus amigos! Eu explico. Não queremos nada de graça. Vocês só terão vantagens” – disse a raposa com um sorriso nos lábios e um semblante simpático e angelical. “Vejam, - continuou a raposa – como eu disse, vocês só terão vantagens mesmo. Como retribuição nós nos comprometemos a assumir todo o trabalho do galinheiro. Já imaginaram? Terão uma vida confortável, porque nós cuidaremos de suprir todas as suas necessidades!”
- Ooohhh! – exclamaram os galináceos.
“E tem mais, – prosseguiu a raposa - eu e o meu bando assumiremos também a segurança total do galinheiro. Iremos protegê-los de todos os perigos. Não será uma maravilha?”
Boa! Não precisar trabalhar! Tempo livre para fazer o que quiser. Não vamos perder esta oportunidade! - festejaram os mais exaltados.
Em tempos passados, numa época que boa parte dos mais novos não havia chegado a vivenciar, aquele mesmo bando havia semeado o terror no galinheiro deixando um rastro de destruição.
Mas as lembranças ainda estavam bem vivas na memória dos mais velhos.
– Calma! Essas coisas não se decidem assim. - observaram alguns.
Ao que responderam outros:
- Calma nada. Vamos fechar o negócio já. Seria uma burrice perder uma oportunidade destas. O que estamos esperando? Vocês não viram? Só teremos vantagens!
Mas, entre exaltações de ânimos e tentativas de ponderações, a maioria acabou concluindo que seria mesmo prudente dar um tempo, e analisar melhor a proposta com os demais membros do galinheiro. Afinal, em se tratando de raposa, é bom manter olhos e ouvidos atentos, e ter sempre um pé atrás, como recomenda a sabedoria.
- Daremos a resposta noutra ocasião D. raposa - disse um dos galos.
“Oh, que pena meus amigos, seria tão prático para todos se decidíssemos já. Mas como preferem assim, tudo bem, ficaremos aguardando com expectativa. Pensem com carinho no grande bem que vos iremos prestar!
No galinheiro o assunto quando foi apresentado causou grande alvoroço, como era de esperar. Uns alertavam que era muito perigoso confiar em raposas. Outros, destacavam que aquela aparentava ser uma raposa diferente: boa, simpática e bem-intencionada, além das vantagens que oferecia. E julgavam ser uma insensatez recusar oferta tão vantajosa que prometia revolucionar a vida do galinheiro.
E durante um bom tempo aquele foi o assunto mais discutido, até que chegaram a uma conclusão. A maioria decidiu aceitar conviver com as raposas no galinheiro.
E assim aconteceu. O início, como não poderia ser diferente, foi muito estranho, porque enquanto uma parte das aves curtia deslumbrada as mordomias da nova vida, a outra se mantinha desconfiada com as estranhas companhias. E as raposas, por sua vez, esmeravam-se para ser as mais simpáticas, atenciosas e prestativas que pudessem com todos.
À medida que o tempo passava, as coisas foram-se acomodando e tudo pareceu confirmar o que havia sido pactuado: as raposas trabalhando e tratando a todos com zelo e cordialidade e as aves curtindo as maravilhas da nova vida.
Até que uma noite, depois de um longo tempo de convívio, quando já ninguém mais se lembrava dos temores do passado, as raposas se abateram de surpresa sobre as aves e foram devorando uma a uma as que encontraram pela frente, sem dó nem piedade. Assustadas, elas tentaram fugir, mas em vão, porque eram presas fáceis para os temíveis animais.
Um galinho palheiro, tremendo de medo, e que fora um dos mais entusiastas do pacto com as raposas, consegue perguntar à que havia arquitectado todo o plano:
- Dona raposa, nós não as acolhemos tão bem no galinheiro? Porque agora estão fazendo isso connosco?
“Ora, ora, simplesmente porque não podemos negar a nossa natureza de raposas - respondeu lambendo os beiços e olhando-o bem fixamente nos olhos.
É assim que nós somos em Portugal!
Um grande galinheiro cheio de pacatas galinhas e pacatos galos tentando sobreviver pacatamente à procura do pouco milho estraçoado que lhes deitam os seus cuidadores, procurando levar uma vida simples, com ordenado digno para chegar ao fim do mês, quando, eis que matreiramente, disfarçados de gente como nós, umas quantas raposas se deleitam com os petiscos mais saborosos produto do labor e interacção das galinhas com os galos, e rapam tudo o que há para rapar sem dar cavaco a ninguém, à vista de toda a gente e connosco a pagar sem tugir nem mugir... uma galinha aqui, uns ovitos ali, um galo acolá, e eis que vão enchendo o papo os papões!
Ser raposa disfarçada de gente comum é o que vamos tendo neste País de brandos costumes:
eles são contratos chorudos que depois dão direito a indemnizações milionárias
eles são contratos também chorudos que se prolongam muito para além do que é indispensável, mesmo quando não são necessários
ele é a ida para um cargo privado depois de ter dado uma “mãozinha” enquanto responsável público
ele é o ministro que nada sabe, mas tudo encobre
enfim, poderia ficar uma eternidade a enumerar as venturas e desventuras de quantos desejam ser homem do leme, raposas matreiras que vão subrepticiamente abocanhando as nossas poupanças comuns (leia-se todos pagamos porque saem do orçamento do estado) e nós a ver (e a saber) e sem poder fazer nada porque vamos deixando que, através do voto, as raposas se vão apoderando do galinheiro.