O dicionário de Jesus e a cartilha de Sousa
O nosso parlamento nunca foi um exemplo de virtudes, bom comportamento e linguagem sã.
Bem pelo contrário, foi na sala mais representativa da jovem democracia madeirense que demos a conhecer fraquezas, vícios, maus hábitos, deficiente caráter e estado de espírito de alguns eleitos.
Foi muitas vezes palco de debates indecorosos, ofensas gratuitas e agressões mesmo físicas.
Responsabilidade de todos os protagonistas. Uns porque abusaram da impunidade e outros porque a tudo assistiram sem intervir. No fundo, todos aceitaram com menos ou mais protesto. E não há partido que escape. São todos cúmplices. Do PSD ao JPP, qual virgem ofendida. Não existia como partido mas actuais militantes seus já eram praticantes noutras fileiras partidárias.
É menos ofensivo insinuar corrupção ou apontar como palhaço-mor, mandar à bardamerda, chamar de gaja ou outros epítetos que não repito?
Acham que se pode ir para a televisão fazer acusações gravíssimas sobre a honorabilidade das pessoas e depois não levar o “troco” num momento mais azedo de uma qualquer discussão? Num frente a frente sem a covardia da ausência do oponente visado?
O dicionário de Jesus não é pior que a cartilha de Sousa. Um talvez mais manhoso que o outro.
Há muito tempo que o caldo está entornado. E não é culpa de um qualquer secretário regional apanhado no ricochete de um debate sobre ambiente. Não, não é.
Este foi um episódio lamentável que tenho a certeza Eduardo Jesus preferisse não ter acontecido. Conheço-o suficientemente para estar seguro disso. Mas todos temos dias infelizes na vida. Acontecem na turbilhão dos imprevistos e discórdias.
Aceito o lamento de Eduardo Jesus perante a nova presidente do parlamento, mas já não vejo motivo para desculpar-se perante deputados mais agressivos do que ele. Uma palavra às deputada/os com quem se confrontou num qualquer momento de encontro pessoal deverá acontecer.
Agora, não venha a oposição se fazer de coitadinha quando continua, há cinquenta anos sem descanso, a ofender os que, em nome do PSD, fazem trabalho dedicado, sério e sem mácula que lhes possa ser atribuída.
Eu sei que Alberto João Jardim e Jaime Ramos primaram pela linguagem directa sobre quem se mexia. Era sem dó nem piedade.
Outros fizeram coro. Mas também sei que, na falta de razão, a oposição de tudo acusou governos e câmaras sob gestão social democrata.
Os deputados que mais ofensas produziram não eram do PSD.
Eram energúmenos de outras bancadas partidárias sempre prontos para acusações sem provas, rumores e insinuações. Eu fui vítima disso.
Este episódio pode ter vindo acertar um novo tom ao debate político, nomeadamente parlamentar. Ninguém vai querer repetir uma cena igual, sob pena de ser ridicularizado e, então sim, não poder ser perdoado. Podemos estar num momento chave para a vida parlamentar. Uma nova presidente a impor linhas vermelhas na intervenção política. Percebo que não pode impedir qualquer deputado de discurso polémico e ofensivo.
Mas pode suspender os trabalhos, com declaração para a acta da sessão plenária, registando a responsabilidade da falta de senso comum por parte de um qualquer deputado.
Os parlamentos não são exemplos de bom comportamento. Mas era bom que melhorassem. Cabe aos seus membros, ainda que se duvide do seu interesse.