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O normal da anormalidade

Incontornavelmente, é condenável a atitude e o vocabulário utilizado pelo Secretário Regional do Turismo, Ambiente e Cultura, dr. Eduardo Jesus, aquando da discussão do Orçamento Regional na especialidade nas áreas em que tutela.

A discussão sobre a governação e tomada de decisões sobre o futuro da Madeira não é uma discussão de tasca. É algo demasiado sério. Exige respeito pelo trabalho que todos têm no exercício das suas funções políticas. E nem numa ida a uma tasca é prenúncio para ser ofendido, ou ter de ouvir vernáculo.

Por aqui, fez-se apenas um pedido de desculpas esfarrapado à Presidente da Assembleia que no seu primeiro discurso como Presidente da Assembleia defendeu a elevação de discurso entre todos. Não foi o que aconteceu. E teria feito a diferença se tivesse gerido a situação doutra forma. Eduardo Jesus não pediu desculpas aos visados, nem a todos os presentes que assistiram à cena. Esqueceu-se que ocupa o lugar de Secretário Regional e veio tentar convencer que foi uma atitude normal. Talvez o que isto pode revelar é que isto é o “normal” em Eduardo Jesus. Uma normalidade anormal.

Caso para perguntar se Eduardo Jesus utilizaria o mesmo vocabulário se estivesse numa reunião com empresários? Ou com outros governantes de outras regiões com os quais não partilha a mesma opinião ou convicção? Afinal, as expressões usadas existem no dicionário. Não é assim? O que não faltam são palavras existentes no vocabulário português que a educação e o respeito exigem que não utilizemos.

Em qualquer outro lugar do mundo, já teria havido uma demissão. Mas não precisamos de olhar para fora de Portugal, como aconteceu recentemente, em fevereiro deste ano, em que o Vice-ministro britânico do Partido Trabalhista foi demitido por causa de mensagens deixadas num grupo privado de WhatsApp. Em Portugal, o Ministro da Economia e Inovação, Manuel Pinho, do Partido Socialista, na sequência duma discussão na Assembleia da República e dum gesto nada educado de fazer corninhos a um deputado da oposição, apresentou a sua demissão. O Governo de então não o demitiu. Deu-lhe a oportunidade airosa de se demitir.

Por isso, não foi nada sensato o Presidente do Governo partir em defesa de Eduardo Jesus. Há coisas que, por muita amizade e solidariedade que possa existir entre 2 pessoas, não se pode deixar de atuar e tomar medidas. Ou será que a obtenção da maioria no parlamento regional, em coligação com o CDS/PP, fez voltar a arrogância de alguns governantes e dos políticos do PSD-Madeira do tudo podem e tudo fazem como querem e bem entendem? É o risco das maiorias, quando não há profissionalismo e ética.

Ainda não perceberam que é no parlamento que se discutem as questões importantes? Dos problemas existentes e o impacto que as decisões governativas têm para o futuro da Região? É que governar não é à vontade e à vontadinha. Ainda vivemos numa democracia.

No meio de tanta anormalidade normal, é de enaltecer a atitude do Secretário Regional das Finanças de estabelecer diálogo com a oposição antes da elaboração do Orçamento Regional. Para ouvir. Surpreendeu-me pela positiva pois a bancada parlamentar que apoia o Governo era mais do que suficiente para fazer passar qualquer orçamento apresentado. É esta a atitude que um governante deve ter. Mas não só de palavras vive o homem.

Falando de anormalidades que se tornaram normais, não posso deixar de referir o estado da saúde na nossa Região.

É impressionante o número de pessoas que conheço que estão a passar pela doença do cancro e cujos tratamentos tardam em iniciar. Entre o diagnóstico da doença e o início dos tratamentos passam-se meses. Esta é uma doença cujo tempo de espera para início de tratamento pode determinar um fim trágico. Informaram-me há dias que as máquinas do hospital estão avariadas há algum tempo. Porquê não estão as máquinas operacionais? É problema de logística? Faltam peças? Mas, afinal, não existem contratos de manutenção? Entretanto, adia-se o início de tratamento destas pessoas e, inevitavelmente, quanto maior o tempo de espera, mais se agrava a doença, mais agressivos são os tratamentos e o atraso prejudica a recuperação da saúde das pessoas. Ainda que tenhamos a Quadrantes a fazer tratamentos, é inaceitável não haver operacionalidade nos equipamentos hospitalares.

Mas o adiamento dos tratamentos não ocorre só no caso dos cancros. Não consigo entender porque não se iniciam rapidamente os tratamentos das várias doenças? Todos nós conhecemos pessoas que se queixam do tempo de espera para algumas consultas de especialidade. A espera pode originar problemas graves na saúde das pessoas. Outras queixam-se da falta de um ou outro medicamento na farmácia do Hospital e que necessitam para a sua doença. E aguardam e aguardam… E depois recebem medicamentos diferentes que até podem ter princípios ativos semelhantes, mas que não são tão eficazes. E as pessoas reclamam do detrimento da sua saúde.

O que é que se passa? Há falha nas compras? Não há fornecedores? É falta de profissionais? É falta de medicação? É má gestão das unidades de saúde? É má gestão de stocks de medicação? É má gestão financeira na compra de medicação? Como estão os pagamentos aos fornecedores? Recentemente, o Governo Regional assumiu que tinha uma dívida de um ano e meio aos fornecedores de medicação.

Afinal, como está o plano de pagamentos a estes fornecedores? Não passemos pela vergonha que o dr. Alberto João Jardim passou em ter o fornecimento de medicação cortado por falta de pagamentos o que levou a indústria farmacêutica a fazer um ultimato ao Governo Regional para a manutenção do fornecimento de medicação. Ou será que isto já está a acontecer novamente?

Quem aceitou a pasta da Saúde tem a responsabilidade de prover os melhores cuidados de saúde a todos nós. Todas as anormalidades são inadmissíveis. Mas tornar normal a gestão anormal na saúde pode custar-nos a vida.