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Crónicas

O bom, o mau e os esquecidos

Em 2019, na Assembleia Legislativa da Madeira, um deputado do PS apoucou um deputado do PSD, nascido na Venezuela, acusando-o de não saber falar, nem ler português. Em 2024, na mesma Assembleia, um deputado do JPP acusou um secretário regional de receber dinheiro de empresas privadas para pagar festas de aniversário. Perante a xenofobia e a injúria gratuita, nenhum telejornal fez notícia, nenhuma demissão foi exigida e ninguém se indignou. A indignação é um sentimento curioso. Quando é genuína revela carácter. Quando é seletiva, não é indignação, é hipocrisia.

O bom: A gestão dos percursos pedestres

Na Madeira, há cerca de 260 quilómetros de percursos terrestres recomendados. Dessa distância total, à volta de 50 quilómetros estão, atualmente, encerrados. Estaremos, portanto, ligeiramente acima dos 200 quilómetros de percursos pedestres disponíveis ao público, com manutenção e beneficiação asseguradas por entidades públicas. Mudemos, por breves instantes, a perspetiva. Só em levadas, a Madeira conta, muito provavelmente, com mais de 2000 quilómetros de percurso. Se a esse impressionante número, somarmos veredas, trilhos e grande parte dos caminhos reais, torna-se evidente o enorme contraste entre a escassez da atual rede de percursos recomendados e o potencial que a Madeira tem para multiplicar e variar a sua oferta. A este cenário, falta juntar mais um dado – quem gere os percursos recomendados. A Câmara do Funchal gere três, a Junta de Freguesia do Caniço gere um (que está encerrado) e todos os restantes 38 estão à responsabilidade do Governo, através do Instituto das Florestas e Conservação da Natureza. Na Madeira, há 54 juntas de freguesia e 10 câmaras municipais e apenas duas (o Funchal e o Caniço) assumem responsabilidade nos percursos pedestres. Esta constatação é especialmente reveladora, na semana em que os profissionais da indignação, transformados em ambientalistas de ocasião, rasgaram as vestes pela hedionda “privatização” dos percursos pedestres. Do muito que se escreveu, sob evidente preconceito ideológico, ninguém disse o óbvio: a esmagadora maioria das entidades públicas não tem interesse, ou não tem disponibilidade, para investir nos percursos pedestres. Talvez para os revoltados do costume, o mais importante não seja proteger e valorizar os percursos, mas garantir que essa proteção nunca, em circunstância alguma, envolva privados — como se a ideologia, e não a Natureza, fosse o bem a preservar.

O mau: A guerra Irão-Israel

A última coisa que Steve Witkoff, enviado especial de Trump, esperaria, antes da reunião com o Ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano, era que, dois dias antes do encontro, Israel lançasse uma violenta ofensiva contra o coração do complexo nuclear e militar de Teerão. No xadrez da diplomacia internacional, não há coincidências. A perspectiva de um acordo nuclear entre os Estados Unidos e o Irão foi a oportunidade que Israel esperava para pôr em prática o que há muito prometia: acabar com o programa nuclear iraniano. Se a isso juntarmos um presidente americano imprevisível, mas facilmente influenciável pelo curso dos acontecimentos, está criado o cenário ideal à estratégia de Netanyahu: um ataque surpresa ao Irão que, simultaneamente, força a mão de Trump – o qual entre israelitas e iranianos, escolherá sempre os primeiros. Aqui chegados, e enquanto aguardamos por saber o que fará Trump, ficamos com a certeza que tudo isto era evitável. Esta guerra foi escolhida, não foi imposta. Ainda a diplomacia fazia o seu caminho – frágil, tortuoso e imperfeito – e já os aviões partiam rumo ao Irão. Como tantas vezes nos momentos mais negros da nossa História, foi a paz a primeira a ser sacrificada no altar da geopolítica.

Os esquecidos: Os partidos da oposição

Primeiro, uma pequena viagem no tempo. Estamos em Dezembro de 2024. O Governo de Miguel Albuquerque prepara-se para ter o orçamento para 2025 chumbado por todos os partidos da oposição. PS, JPP, Chega, PAN e Iniciativa Liberal lançaram as críticas mais ferozes ao documento e encontraram-lhe defeitos tão profundos que o orçamento ficou-se pela generalidade. Um dia histórico, disseram. Daí à moção de censura, e à queda do Governo, foi um ápice. Voltemos ao presente. Junho de 2025, seis meses depois do orçamento chumbado e trucidado pela oposição. Na verdade, pouco mudou. Albuquerque continua presidente, a maioria dos deputados são os mesmos (à exceção do PAN – que saiu – e da IL – que mudou) e, mais relevante, o orçamento é repetido. Não poderia, aliás, ser de outra forma. A vitória do mesmo partido, liderado pela mesma pessoa, com tão pouco tempo passado, são os ingredientes chave para que se volte a discutir, essencialmente, o mesmo orçamento chumbado em Dezembro. Infelizmente, é aí que acaba a coerência. Por milagre político, os mesmos partidos e muitos dos mesmos deputados, que há seis meses, espezinharam sem misericórdia o orçamento e desfizeram em migalhas o governo que o apresentou, viram a luz orçamental. Onde antes viam erros, agora veem oportunidades. O que antes eram linhas vermelhas, agora são prados políticos verdejantes. E então, um a um, todos os partidos que votaram contra em Dezembro, viabilizaram o orçamento, na generalidade, em Junho. Não o fizeram por convicção ou por princípio. Só por circunstância. O sentido de voto pode ter mudado, mas a espinha dorsal partidária continua dobrada à conveniência própria.