Um demorado apagão colectivo
Quase tudo é “imediatamente detectável” e solenemente criticável
Na Madeira quase tudo é “imediatamente detectável”. Sem esforço. Quer Miguel Albuquerque queira, quer não. É idiossincrático. Sim. Quando há apagões, sabe-se logo quem meteu os dedos na tomada. Quando há incêndios, a percepção de que “está tudo controlado” é automática. E quando há calamidades, alguns acreditam que quem enverga coletes florescentes domina o assunto.
Mas há mais no âmbito do juízo repentino. Sempre que há sinais exteriores de riqueza, suspeita-se que há crime, mesmo que uma herança avultada, a sorte grande ou um conjunto de negócios bem sucedidos possa justificar as aparências e dissipar as dúvidas. Sempre que alguém é promovido a um cargo público de responsabilidade instala-se a desconfiança, como se a escolha não decorresse do mérito e da competência, mas sim de dotes ou expedientes que um dia darão manchete. Sempre que alguns triunfam pelo talento e pela criatividade instala-se a invejosa convicção que tiveram cunhas. Sempre que alguém faz acontecer é porque está feito com um qualquer influente a quem deve favores. Sempre que um ou outro se distingue é porque comprou o prémio ou então fomenta levianamente a artificialidade. Sempre que alguém ganha, dos concursos públicos às candidaturas privadas, surge por geração espontânea uma intrigante disponibilidade para desconsiderar quem se afirma pela honestidade, capacidade de trabalho e dignidade humana.
E há ainda o severo diagnóstico trivial, porventura mais assertivo nas relações de causa e efeito, embora nem sempre focado na edificação de posturas que conduzam a boas práticas. Se o governo engonha, a economia ressente-se. Se a oposição não escrutina, o poder abusa. Se a justiça for lenta, o cidadão é duplamente penalizado. Se alguma comunicação social se distrai, a desinformação semeia o pânico. Se os salários não sobem, até os restaurantes e bares notam. Se a bola não entra, o treinador é quase sempre o primeiro responsável. Se não houver mão-de-obra qualificada, não há bom serviço.
Mas será verdade inquestionável que todo o político é passível de ser corrompido só porque é mal pago? Que tudo o que nos motiva orgulho e satisfação, desde os bons indicadores no Turismo aos feitos dos nossos melhores, é mera obra do acaso ou resultado da perversão do sistema? Que as relações humanas de maior proximidade possam ser confundidas com traições porque assim determinadas pelas obsessões doentias? E que Alberto João Jardim revele falta de memória só porque cantou de pé e a plenos pulmões o ‘Grândola’, na primeira vez que celebrou publicamente a Revolução a 25 de Abril?
Na Madeira quase tudo é solenemente criticável. Sem contemplações, sem margens de erro e sem respeito pela diversidade, a julgar pelo comentário fácil dos imaculados e pelo discurso de ódio dos críticos sem rosto. Muito por culpa dos complexos acumulados. São décadas de submissão a banalidades que configuram um demorado apagão colectivo.