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Apagões da memória

A Madeira está deslumbrante, cheia de forasteiros que entopem as ruas, as levadas e os trilhos que fartam a economia. A ilha tem uma oferta de imóveis “premium” para gente endinheirada que paga valores exorbitantes, enquanto os “trabalhadores felizes e sem queixas” de colar de maios ao pescoço, contemplam absortos a imensidão deste Atlântico, à espera que a vontade de ter casa, passe.

Como corolário deste paradisíaco cardápio, temos governo empossado, advindo do mesmo baralho usado e repartido, pois, a bisca está em desuso.

Os mil quilómetros que nos apartam do continente, fez-nos cogitar sobre as magras vantagens da insularidade periférica, perante o recente apagão ibérico.

Enquanto os continentais andavam atarantados no saque ao papel higiénico, mais pela falta de informação, do que pela perda de eletricidade, os insulares mantinham a sua vidinha limitada pelo mar. O “apagão comunicacional” do governo da República espelha bem o quão estamos às escuras.

A reboque da imensa pedagogia que deste evento podemos extrair, está o facto, de que a extrema digitalização da nossa vida é arriscada, sem ter redundâncias que possam contornar a satisfação de necessidades básicas a nível da comunicação/informação, como a que é proporcionada por um daqueles pequenos e simples rádios analógicos a pilhas.

À conta deste disruptivo evento, o último debate televisivo no âmbito das eleições de 18 de maio, foi reagendado. Sem surpresa manteve-se o mesmo “apagão temático”, quer sobre a imigração, ou sobre as necessidades de reforçar o investimento na defesa nacional, que o povo e jornalistas em sintonia, não parecem dedicar qualquer importância.

Francisco sucumbiu escolhendo a última morada afastada do ditoso Vaticano, enquanto as claques bairristas, exortam ao arbítrio do “Espírito Santo” para que o fumo branco aponte o cardeal Tolentino ao trono de Pedro, como fez recentemente Alberto João Jardim na RTP-Madeira. Contudo, em 1992, o então padre Tolentino Mendonça juntamente com outros nove padres, foram acusados por Jardim de uma “cabala montada contra a autonomia”, rematando que “o desenvolvimento não se faz com poesia”, quando essa dezena de sacerdotes subscreveu um documento crítico da governação madeirense, em que entre outros considerandos a propósito da prática da democracia insular, afirmavam que, “não é admissível que certo tipo de desenvolvimento seja conseguido à custa da ignorância ou, da necessidade das camadas mais desprotegidas da sociedade”.

Há frases e realidades intemporais, a que correspondem outras cambalhotas monumentais ao som, ou não, da “Grândola” de Zeca Afonso adotada como segunda senha do MFA que fez eclodir Abril. Há quem tenha sempre à mão, o carimbo da hipocrisia para sinalizar estas contradições axiológicas. Eu, movido pelas reminiscências da bonomia cristã (não-beata), inclino-me à graça da reconversão, como a que ocorreu a Paulo de Tarso, que recolheu a sua ensanguentada espada da perseguição que movia aos primeiros discípulos, e tornou-se num dos mais proeminentes apóstolos da Cristandade.

A minha saudação às mães, biológicas ou não, que permanecem ao nosso lado ou espremida, como tenho a minha, no constante abraço da memória. Desfrutem a bênção da sua presença.