My Greenland
Remota, bela, inesperada, inóspita e inspiradora são adjetivos. E são, numa primeira análise, de difícil conjugação. Como pode algo ser aparentemente tão díspar?
Faz agora seis anos que vivi essa dualidade. Em forma de uma viagem e de uma experiência. Mas também de introspeção, sobre como as adversidades nos impelem a dar o nosso melhor. Hoje, por vicissitudes e caprichos da geopolítica mundial, creio que a devo revisitar convosco.
O seu nome é um logro, ou talvez não. “Greenland”, terra verde, seria agradável, acolhedora, até mesmo hospitaleira. Assim relatava Erik Thorvaldsson, o explorador viking que em 982 chegou à Groenlândia, culminando com a fundação do primeiro assentamento bem-sucedido na ilha. Verde sim, mas só no pico do verão e no seu extremo mais a sul. Tudo o resto é um inebriante branco, frio, gélido e inóspito. Diz-se que o nome “verde” teria a intenção de atrair outros colonos, de forma a expandir a presença naquela que é a maior ilha do mundo e, ao mesmo tempo, o território com a menor densidade populacional do planeta. A ilha, que foi pela primeira vez cartografada pelos portugueses, à procura da China no século XV, é um local desejado pela localização pivot entre a Europa, a América e o Ártico. Eis a Groenlândia, em todo o seu esplendor e antagonismo!
Remota, pois, situa-se acima do círculo polar ártico, num oceano pouco navegado, com os seus perigos e desafios. Os povoados são pequenos, espaçados, sem nenhuma estrada entre eles. Na verdade, são vilas e aldeias situadas nas enseadas mais abrigadas e amenas, só conectadas pelo mar e pelo ar.
Bela, pela invulgar paisagem ártica, só quebrada pela vibrante multitude de cores garridas das suas casas. Na costa rochosa, onde tudo acontece, há um infindável número de fiordes que entrelaçam os glaciares. Estes derramam no mar, sob a forma de Icebergs, todo o gelo acumulado no enorme maciço central, um ciclo infindável que só o aquecimento global parece desafiar.
Inesperada, pois, é neste lugar agreste que encontramos um povo muito orgulhoso do seu passado, da sua pátria, culto, desenvolvido e profundamente comungado dos valores europeus de democracia, solidariedade e respeito pela diferença. Tal não é estranho ser um território dinamarquês, com tudo o que de escandinavo isso quer dizer. Por tudo isto se compreende como soa muito bizarro algo assim ser comprado por quem não parece compartilhar nenhum desses valores. Até correndo o risco de ser assimilado sem dó, como sucedeu a certas populações indígenas no passado. Partilho o ditado local, “Angutit annertuut piumasaqaataat tassaapput peqqussutit, Angutit tippissanik piumasaqaataat, nr.” que, traduzido, diz simplesmente tudo: “Os pedidos dos grandes homens são ordens, as exigências dos homens em bicos de pés, não”.
Inóspita, pois, as terras férteis simplesmente não existem. O que não é gelo, é tundra ártica, caracterizada por baixas temperaturas, permafrost (camada de solo permanentemente congelada) e vegetação adaptada a condições extremas. O inverno é sombrio e no verão não há noite. A população vive numa pequena secção da costa virada para o Canadá, a mais abrigada dos elementos. O pescado é infindável, 90% das exportações, mas tudo o resto tem de ser importado. A solidão secular tem também uma tradução espiritual, que é manifesta na cultura local.
Inspiradora, pois, é o supremo epítome de como homens e mulheres resilientes desafiam todas as adversidades. Dizem “sua”, uma terra tão inóspita, mas que ao mesmo tempo acolhe um povo tão profundamente humano. E tão profundamente unido, em que o povo nativo Inuíte, vive integrado há séculos com aqueles originários da Dinamarca, Noruega e Islândia. Não será este um exemplo a replicar? Não será este o verdadeiro significado de Greenland?