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Portugal votou. Agora é que vai ser

Portugal falou e disse, com a solenidade que só o povo soberano sabe ter, que está pronto para repetir alguns erros. A vitória da AD marca o regresso de uma direita clássica ao poder, com um discurso de estabilidade e responsabilidade. Muitos portugueses optaram por esse caminho, talvez por nostalgia, talvez por cansaço. Resta esperar que desta vez as promessas não fiquem esquecidas nas gavetas do poder.

A subida da extrema-direita é um claro sinal de que o país quer soluções firmes, mesmo que envolvam menos democracia e mais gritaria. Afinal, gritar resolve sempre os problemas estruturais de um país, certo? Basta ver os debates parlamentares: quanto mais berros, melhor o PIB.

A esquerda, essa, caiu. Não por falta de aviso. Afinal, foram anos de erros acumulados, de arrogância em versão institucional e de uma autoconfiança que faria corar Narciso ao espelho. O PS, que tanto prometeu e tanto falhou, vê agora o resultado da sua obra: um país mais desigual e um eleitorado mais zangado. Curiosamente, muitos desses votos fugidos foram diretamente para o lado mais radical do espectro político. Ironias da democracia.

Mas nem tudo está perdido. A inexistência de uma maioria absoluta é, curiosamente, um dos melhores resultados desta eleição. Numa altura em que os absolutismos nos bateram à porta com a subtileza de um furacão, o voto popular preferiu o incómodo da negociação à arrogância da imposição. E ainda bem. A democracia não é um desfile de vontades únicas, mas uma construção feita de desacordos produtivos. Haja paciência e humildade para isso.

No entanto, há ainda motivos para não perder a fé. O PAN, com uma representação parlamentar mantida apesar da redução de votos, mostra que a causa animal, ambiental e humanista resiste. Num parlamento cada vez mais dominado pela força bruta da retórica combativa, a voz do PAN continua a ser um contraponto necessário, mesmo que muitos ainda a queiram ignorar. Persistir é, por vezes, a forma mais corajosa de existir.

E há um novo protagonista vindo das ilhas: a eleição do deputado da JPP é uma lufada de ar insular. Que seja, de facto, a voz da Madeira em Lisboa e não apenas mais um eco partidário. A Região precisa de representação real, não de figurantes num palco continental. Que este mandato não se perca em silêncios cúmplices ou em selfies institucionais.

Portugal votou. A mudança chegou ou, pelo menos, a sensação de mudança, que é o que realmente importa na política espetáculo. Para já, resta-nos observar, com atenção e ironia, este novo capítulo da democracia portuguesa, torcendo, com o coração e alguma desconfiança, para que ainda haja esperança no meio do ruído.