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Os madeirenses não se vendem

É claro e inegável que está instalada, no contexto político português, uma cultura de corrupção que, desde o advir da Democracia, tem corroído a Causa Pública, aumentado o fosso de desconfiança entre governados e governantes e sobrecarregado os cidadãos que trabalham de sol a sol para construir uma vida honesta com um Estado pesado, letárgico, paralisado, burguês e que não existe para cumprir o desígnio de servir a população, mas para manter, alimentar e fomentar com o uso de dinheiros públicos uma vasta rede de interesses, negócios, clientelas e pequenos aristocratas empresariais que arrogantemente se julgam donos de todo o chão que pisam.

Infelizmente, a Região Autónoma da Madeira é espelho e exemplo máximo dos vícios e da decadência introduzidos na governação por certas práticas, sobejamente conhecidas e adoptadas por quem interpretou a oportunidade que lhe foi concedida pela população para trabalhar em prol do Bem Comum como um mandato intocável para enriquecer a si, aos seus e às empresas que, recorrendo a todos os expedientes, tudo fazem para manter tudo como está. Pudera!

Têm muito a perder com a mudança, pois poderão ser forçados a encarar a possibilidade de a Madeira ser devolvida aos seus legítimos donos, isto é, os Madeirenses, e não a elite política e económica que, em conluio, espezinha e trata os cidadãos como lacaios, cuja única função é pagar-lhe os luxos.

Muitos argumentos têm sido jogados ao ar por aqueles que se recusam a abandonar as confortáveis cadeiras que ocupam por medo de terem de enfrentar, na barra dos tribunais, as consequências dos seus actos.

Falam num PIB histórico, em taxas de desemprego baixas e em recordes na hotelaria. Falam de barcos que atracam em número sem precedente, em novos investimentos e numa suposta responsabilidade política. Todavia, contra a sua vontade, os Madeirenses de Bem (e não os fictícios que os tais põem nas suas sondagens e plasmam nas suas estatísticas marteladas) estão a abrir os olhos, a separar a seriedade da prepotência e a colocar perguntas incómodas.

Por exemplo, porque é que se fala do PIB e não no facto de que quase um-terço dos Madeirenses vive na pobreza? Porque é que se fala na taxa de emprego, mas não no emprego precário e nos programas ardilosos de desemprego que o governo usa para disfarçar a miséria que abunda no mercado laboral? Porque é que falam em hotelaria, mas não na exploração que afoga milhares de trabalhadores dos hotéis da Região?

Ainda, porque é que falam de barcos, mas não de adjudicações feitas, sempre, aos mesmos de sempre? Porque é que falam em investimentos, mas não nos medicamentos que faltam a quem precisa e nas listas de espera que matam? Porque é que falam em responsabilidade política, mas não nos alçapões legais que usam uma e outra e ainda outra vez para branquear as mãos e a cara de quem vive às custas do que não é seu?

A política exige daqueles que nela estão honestidade, realidade e consequência perante a população.

Por sua vez, isto implica que os detentores de cargos públicos têm de ser capazes de explicar muito bem aquilo que têm em termos de rendimento e património. Na Madeira, há muitos, em várias posições de influência, que não o conseguem fazer, pois sabem muito bem, como também sabemos nós, que não é do trabalho que lhes vem a fortuna, mas sim dos negócios escondidos, das movimentações ilícitas e das jogadas de bastidores de que fizeram estilo de vida. Até podem bradar aos sete ventos e a certa comunicação social (que manipulam) que é tudo normal, que a presunção de inocência é que conta, que a entrega de passaportes é ‘lana-caprina’ e que não há nódoa alguma em dar guarida parlamentar a comprovados arguidos.

Mas, no final do dia, o Povo sabe. O Ministério Público também.

Sucede que alguém teve a coragem de parar o baile, fechar o circo, chamar os bois pelos nomes e mandar para o estaleiro um governo com cinco arguidos, suportado por um partido indiciado por esquemas de financiamento ilegal, que já levaram oito a serem detidos. Foi fácil? Não. Um dia, poderá ser que alguém escreva a história e as estórias das pressões, das perseguições, das ameaças vis e das promessas postas em cima da mesa para que as coisas não andassem. Mas andaram!

Porquê? Porque ainda há quem não se vergue. Porque ainda há quem não esteja à venda.

Agora, têm a palavra os madeirenses, cuja voz é, e será sempre, soberana. Difícil foi criar a oportunidade para que se pronunciassem, o que exigiu tudo, incluindo a determinação de ir contra o sistema, a força de resistir aos ataques contínuos e a coragem para vencer os inimigos externos e internos que, por ambição, desnorte ou pura falta de vergonha na cara, preferiram fazer o jogo do adversário e vender a alma ao regime que nos mata. Fácil, agora, é aceitar os resultados que vierem, sejam eles quais forem, na certeza de que décadas de vícios, esquemas, artimanhas e compadrios não se vencem facilmente. Quem sabe isso, sabe que as coisas não ficam por aqui. Haverá sempre mais uma luta.