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Crónicas

O bom, o mau e os malabaristas

A viagem que levou Mário Centeno diretamente do Ministério das Finanças ao Banco de Portugal era o prenúncio de um novo capítulo na habitual captura das instituições reguladoras pela voraz máquina partidária, sempre lesta na colocação dos seus peões em prateleiras douradas. Basta ler os últimos alertas do Banco de Portugal sobre o aumento da despesa pública. Mário Centeno, governador, critica o atual governo por potencial incumprimento das regras europeias e elogia Mário Centeno, ex-ministro, ao apontá-lo como exemplo a seguir em política orçamental. É um elogio tão desinteressado que nem parece feito entre Centenos.

O bom: Jéssica Rodrigues

No grande plano das improbabilidades, há um lugar especial guardado para Jéssica Rodrigues. O facto de Portugal ter uma campeã mundial de patinagem no gelo roça o inverosímil. Que essa campeã tenha nascido numa minúscula ilha no meio do Atlântico e que treine numa pista de cimento encastrada nas serras da Calheta é digno de um delírio cinematográfico. É dessa dimensão, inexplicável e inspiradora, a conquista de Jéssica Rodrigues. Sem pista de gelo, sem tradição na disciplina e sem as rodas, substituídas por lâminas, com que sempre treinou, a madeirense traçou o seu caminho contra tudo o que a lógica lhe impunha. Isso faz da sua proeza muito mais do que uma conquista individual, mas a prova de que o talento, quando apoiado, não conhece limites. O investimento público no desporto, nos atletas e nos equipamentos desportivos não é um luxo, mas um potenciador de excelência e de superação. Hoje foi a patinagem no gelo e um campeonato do mundo, amanhã será outra impossibilidade tornada possível.

O mau: O ferry e a campanha eleitoral

Seis meses depois das últimas eleições regionais, é natural que os temas discutidos e os candidatos escolhidos - talvez até os resultados eleitorais - não sejam radicalmente diferentes do que foram em Maio do ano passado. No meio de tanta repetição, há uma proposta que teima em ocupar discursos e cartazes partidários com inexplicável persistência e devaneio desproporcional - a ligação ferry entre a Madeira e o continente português. A razão da resiliência do ferry, enquanto proposta política, deve-se, muito provavelmente, ao facto de sermos das poucas ilhas europeias (talvez a única, a par dos Açores) sem uma ligação marítima regular de passageiros ao território continental. Mais curioso, e o cúmulo da contradição, só o facto do Estado aceitar o pagamento do subsídio de mobilidade pelas viagens marítimas, mas recusar-se a assegurar que a linha exista. É com este cenário de fundo que o ferry tem sido, desde 2012, repetidamente arremessado entre o Governo Regional e o da República e recauchutado em vários manifestos eleitorais. Chegados a 2025, o ferry tornou-se no unicórnio da política madeirense: omnipresente nos fetiches náuticos de alguns partidos políticos, mas cada vez menos falado pela sociedade civil. Não que a ligação marítima não seja importante para a Madeira, mas talvez não seja a panaceia definitiva, como alguns a querem vender, para os nossos desafios de mobilidade e transporte. Especialmente sem qualquer apoio financeiro do Estado português. Basta relembrar que, em 2018, o ferry custou-nos três milhões de euros e transportou menos de metade da sua lotação.

Os malabaristas: A Iniciativa Liberal

Estável, moderada e responsável. É assim que a Iniciativa Liberal se apresenta às próximas eleições regionais. A troika de qualidades reclamada pelos liberais entronca numa propositada indefinição ideológica que permite ao partido apresentar-se como não sendo de direita, nem de esquerda, mas diferente. Ainda assim, por mais que custe aos liberais, a maioria dos eleitores vê na IL um partido alinhado à direita. A direita do individualismo, da livre iniciativa económica e do Estado minimalista, por oposição à esquerda do coletivismo, do protecionismo económico e do Estado intervencionista. Se dúvidas houvesse, basta recordar a resposta de Nuno Morna ao convite de Paulo Cafôfo, feito em Maio de 2024, para uma solução de governo entre PS, JPP e a IL. “Não vejo a Iniciativa Liberal a negociar seja o que for com o Partido Socialista. Estamos nos antípodas uns dos outros”. Este prefácio é importante para perceber o malabarismo liberal que começou a ser ensaiado. Após a entrega da lista de candidatos, Gonçalo Camelo, cabeça-de-lista pela IL, disponibilizou-se para viabilizar qualquer governo de Direita ou de Esquerda, desde que sem Miguel Albuquerque. Eis o contorcionismo de convicções, disfarçado de liberalismo. Um partido que tanto se abraça à direita, como se enrosca à esquerda, não é um partido é um circo político, onde os princípios se atiram ao ar que nem bolas de malabarismo. No caso da IL, essa incoerência ainda é mais gritante. Um dos seus cartazes eleitorais junta vários líderes partidários e apelida-os, em letras garrafais, de irresponsáveis. Aparentemente, são estes mesmos líderes (à exceção de Albuquerque) cujo governo a IL admite viabilizar. Resta saber como é que os liberais vão explicar ao seu eleitorado que um voto na IL pode resultar num governo socialista.