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Fazer acontecer Natal

O Natal é cada vez mais um ponto de vista e uma oportunidade. O Natal comercial que começa em outubro é, sem qualquer dúvida, uma estratégia de marketing com objetivos puramente económicos, que cada vez mais parece apresentar resultados de sucesso. O Natal das viagens e dos mercadinhos, outra estratégia turística/comercial em expansão, que atrai cada vez mais lugares que perceberam o fascínio crescente pelos turistas que encontram ali um motivo para viajar, num aparente clima de magia.

Esta estratégia comercial, criou hábitos e rotinas que já se tornaram mais do que um prazer, uma obrigação. Refiro-me aos almoços e jantares de convívio com objetivo de celebração pré-Natal; as trocas de presentes, em diversos contextos, com o nome de “amigo secreto; as festas de Natal das crianças desde a escola até às atividades extracurriculares, com direito a Pai Natal, sempre um diferente, e a presentes antecipados, a maioria que não foram desejados, muito menos sonhados.

E assim se chega ao Natal tradicional com tantas pessoas/famílias, cansadas, esgotadas, preocupadas com os gastos já realizados, tantas vezes assumidos em planos de crédito, ainda em trânsito para os dias que se seguem. Onde passar a noite e o dia de Natal? Como suportar eventos familiares de obrigação, em ambientes tantas vezes tóxicos e conflituosos? Como manter a magia nas crianças oferecendo sonhos, em vez de mais um presente entre todos os outros, que servem mais para adicionar do que para “tornar alguém feliz”.

O Natal passou a ser obrigação, preocupação, stress, desgaste, ansiedade. Há uma vontade de fugir deste clima de falsa alegria e ligação familiar e comunitária, imposta, um sentimento de hipocrisia assumida que tende a destruir qualquer ideia de ligação genuína e mesmo de solidariedade.

Há quem consiga fazer diferente, por ter condições económicas para o fazer. Viajam para outros lugares com a família ou as pessoas mais próximas; passam os dias de festa num hotel, a usufruir de um tempo de relaxamento, ou vão fazer a ceia e o almoço de Natal num qualquer restaurante, num clima de festa participada. Mas muitas pessoas/famílias não têm opção de escolha, com muita dor e sofrimento ficam sozinhas na sua casa, sem qualquer conforto, nem alegria, ou aceitam ajudas ou apoios sociais, mas continuam sozinhas no seu coração. Há muita gente obrigada a receber o Natal desde outubro com o sentimento que essa realidade não lhe pertence. Não pode trazer alegria para casa, partilhar esse tal Natal com ninguém, nem com as suas crianças, que sonharam todo o ano com um Pai Natal de verdade para lhe oferecer um sonho merecido.

O Natal de hoje está a transformar-se numa época igual a muitas outras, construídas na atualidade. Há dias para tudo, tudo vende, tudo obriga a rituais comerciais, tudo se torna frágil e desvirtuado do seu valor.

Cabe-nos a todos nós querer e fazer diferente. Se é para ser criativo, então é preciso ter coragem, criar alegria genuína e construir família no lugar de verdade onde ela se encontrar. Podem ser os de casa, os amigos, ou mesmo integrar alguém que na sua solidão e tristeza vai poder ficar com um pouco de nós e deixar-nos um pouco de si. Partilhar. Se sairmos do lugar do Natal imposto e assumirmos o que verdadeiramente queremos, então podemos trazer de volta o Natal mágico, solidário, familiar e comunitário. Natal com cheirinho a doces, risadas e calor de abraços.