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Professores reais com vidas surreais

A vida não é uma abstração. A vida de cada um não é o que os outros pensam que é. Aquilo que, ao olhar exterior, parece sempre luminoso é, pela certa, um misto de luz e sombra. Não há vidas apenas de luz. No fundo, a vida é como a matemática, onde, para além da soma e da multiplicação, há também a subtração e a divisão. O importante é que, no final, o resultado seja positivo, para o próprio e para todos os que tiveram a honra de a partilhar.

Nada de diferente, na vida dos professores e educadores. Veja-se, a título de exemplo, os retalhos das vidas de Maria, Manuel, Ana e João.

Maria é professora há 28 anos. Acabou o curso e começou logo a dar aulas como contratada. Percorreu várias localidades do continente, onde tirou o curso, mas acabou por vir para a Madeira, ainda na década de 2000. Já devia estar perto do topo da carreira, mas ainda lhe faltam uns aninhos para isso, apesar da recuperação dos 9 anos 4 meses e 2 dias dos períodos de congelamento. No entanto, teve azar, porque não só apanhou o pior dos períodos de transição na carreira docente, entre 2008 e 2010, como teve de esperar duas vezes para progredir ao patamar seguinte. Assim, se esfumaram 5 anos de carreira. Já a sua irmã, 4 anos mais nova, teve um pouco mais de sorte, porque, com 24 anos de trabalho, não foi tão penalizada, pelo que está um pouco mais adiantada na carreira, o que significa que tem um salário um pouco melhor. Maria não está satisfeita com a SRE nem com a Assembleia Legislativa Regional, porque prometeram regularizar a sua situação, mas vão adiando, adiando, adiando…

Manuel é um professor de reconhecido mérito profissional pelos seus pares, pais e alunos. No entanto, esbarrou no “numerus clausus” para as melhores avaliações, assentes em critérios, completamente, discricionários. Usa a ironia para esconder a amargura profissional, justificando a exclusão do número dos eleitos, afirmando: “Encontraram uma vírgula a mais no meu relatório”. Uma vírgula que lhe tirou um ano de tempo de serviço!

Ana dava aulas, na Madeira, há três anos, mas nunca tinha obtido colocação no início do ano letivo. Andava a “tapar buracos”, como costumava dizer. Diziam-lhe que havia falta de professores e que não lhe iria faltar trabalho na Madeira. Não foi na conversa. Concorreu para o continente, no último concurso, onde vinculou. Agora, a vida começa a sorrir-lhe, porque é como professora que se sente realizada.

João, bom, João é uma daquelas pessoas que anda ao contrário da sorte: quando se recuperava o tempo de congelamento na Madeira, trabalhava no continente; quando se começou a recuperar o tempo no continente, veio para a Madeira. Agora, quase todos progrediram com o tempo dos períodos de congelamento, menos ele e mais umas dezenas de professores que nasceram com as costas para o Sol.

O que reservará o Orçamento Regional de 2026 para estes professores?