O bom, o mau e os oleosos
Nos primeiros episódios da segunda temporada de Trump na Casa Branca, sucedem-se os motivos de estupefação. Aviões militares repletos de imigrantes deportados, a ameaça desbragada de anexar a Gronelândia, a fuga repentina do Acordo de Paris são exemplos da montanha russa que prometem ser os próximos 4 anos no Estados Unidos. Mas o verdadeiro assombro chegou com o discurso inaugural. Em pleno Capitólio, com a solenidade de quem anuncia uma revolução científica, Trump proclamou a existência de apenas dois sexos: feminino e masculino. Resta saber se tal revelação diz mais sobre a sua lucidez ou sobre o estado de um país onde afirmar o óbvio se tornou uma provocação.
O bom: Eduardo Jesus
Quase três meses depois da montanha judicial que justificou uma moção de censura, pariu-se um rato. Afinal, a constituição como arguido de Eduardo Jesus redundou num arquivamento por inexistência de crime. O Chega, autor da censura, que viu na investigação ao Secretário do Turismo uma intricada e dissimulada rede de relações promíscuas e corrosivas, uma aliança cáustica entre o poder político e o mundo empresarial, reagiu ao encerramento do processo com enfadonha naturalidade. Se, para o Chega, uma investigação judicial indigna e excita, um arquivamento aborrece. É nisto que redunda fazer política empoleirado em denúncias anónimas e ao ritmo das constituições de arguido. Quem o faz, corre o sério risco de procurar absolvições judiciais através do voto popular ou, como no caso de Eduardo Jesus, de exigir sentenças de morte política antes de qualquer decisão judicial. Em boa verdade, não há nada de judicialmente extraordinário neste processo. Todos os dias, em Portugal, há centenas de processos crime arquivados, com arguidos constituídos e sem vislumbre de uma acusação. É assim a natureza do processo penal e é, também por isso, que se presume o arguido inocente até condenação. O problema é que os arguidos, que por acaso são políticos, perderam o direito a essa presunção. No nosso peculiar escrutínio democrático, um arguido político é culpado até prova em contrário. E tudo isto se aceita e encoraja sob a falácia de que os políticos têm responsabilidade acrescida. Na verdade, o que se exige aos políticos não é um acréscimo de deveres, mas uma perigosa redução de direitos.
O mau: Miguel Iglesias
Convenhamos - a aprovação apressada da nova lei eleitoral madeirense, seguida da descoberta de que, graças a um lapso técnico, não se aplicará às próximas eleições, é uma trapalhada de contornos épicos. Dada a dimensão da tragicomédia legislativa, parecia impossível que alguém conseguisse fazer pior figura do que a feita por todos os intervenientes no fiasco pré-eleitoral. Eis que alguém se lembrou – talvez o próprio – de dar a palavra a Miguel Iglesias. Não para amenizar a aparente responsabilidade do PS no imbróglio, mas para assumir, com orgulho desconcertante, a paternidade do bloqueio que impedirá milhares de eleitores de votar nas próximas eleições regionais e que perpetua a Madeira como a última região do país onde a paridade eleitoral não se aplica. Lê-se a declaração de Iglesias e não se acredita. À conta de uma potencial inconstitucionalidade e de uma tentativa de impugnação das eleições, que parece saída de um livro de ficção científica, o PS e Miguel Iglesias dizimaram um legado histórico dos socialistas na defesa da participação das mulheres na vida política. Não satisfeitos com a traição histórica, juntaram-lhe a alienação de milhares de eleitores, muitos deles estudantes, que pela primeira vez teriam conseguido votar em mobilidade e, graças ao PS, continuarão a ser os únicos eleitores no País a quem esse direito é negado. Se houvesse eleições para o absurdo político, Miguel Iglesias seria eleito por maioria absoluta.
Os oleosos: Chega
Ungidos com óleos de moralidade imaculada e envolvidos num manto de justiça férrea, o partido dos portugueses de bem exala um aroma irresistível aos mais incautos e sugestivos. O problema é que, com frequência embaraçosa, o Chega escorrega nos óleos em que se unge, tropeça no manto em que se envolve e cai, com estrondo, no lamaçal político que jura desprezar. Foi assim no triste episódio das malas de Miguel Arruda ou na simples constatação de que 11 deputados do seu grupo parlamentar na República estão, ou já estiveram, a braços com a justiça. E é no momento em que o feitiço se vira com o feiticeiro, que o Chega revela a sua face mais cómica. Basta ver as queixas de André Ventura em relação ao ataque cerrado feito ao Chega ao longo das últimas semanas. Precisamente a mesma estratégia que Ventura e os seus afiliados se especializaram. No fim de contas, o Chega acaba sempre por provar do mesmo veneno que destila, num espetáculo de hipocrisia que faria qualquer um corar de vergonha. Mas vergonha é coisa rara por aqueles lados. Resta apenas a derradeira ironia do partido que prometia varrer a os maus hábitos da política, se ter transformado na mais caricata imitação daquilo que dizia combater.