Quatro mil milhões
1. 4 mil milhões
Quatro mil milhões de euros. Repare-se bem: quatro mil milhões de euros. O número foi revelado por Pedro Ramos e refere-se ao que foi gasto em saúde nos mandatos de Albuquerque. Quatro mil milhões de euros. É esse o preço da incompetência crónica que Miguel Albuquerque, Pedro Ramos e o seu Governo Regional conseguiram infligir à saúde na Madeira. Em nove anos, gastaram o suficiente para quem sabe, construir uma pequena rede de hospitais de luxo e importar os melhores médicos da Europa. Mas não. Os madeirenses continuam a morrer nos corredores das urgências, a esperar anos por cirurgias e meses por consultas de especialidade e exames de diagnóstico, e a assistir ao descalabro de um sistema que parece saído de um conto de Kafka.
O que foi feito com esse dinheiro? Uma pergunta difícil. Talvez seja mais fácil responder ao que não foi feito: não se reduziram os tempos de espera, não se resolveram os problemas estruturais e, acima de tudo, não se fez nada que se veja na saúde mental, que continua a ser tratada como se estivéssemos no século XIX. Mas claro, quatro mil milhões não chegam para tudo. Não chegam para resolver problemas. Apenas chegam para os aumentar, porque nada é mais lucrativo, em termos políticos, do que prolongar uma crise indefinidamente.
Comecemos pelas urgências, esse campo de batalha que rivaliza com filmes de guerra. Milhões foram despejados no sector e, ainda assim, os corredores continuam a abarrotar de doentes à espera de camas que nunca chegam. Mas não se pode dizer que o governo não seja eficiente. Conseguiu transformar um problema de sobrelotação em algo permanente. Talvez estejam a apostar numa abordagem criativa: transformar os corredores em alas oficiais de internamento.
E a saúde mental? Com quatro mil milhões, poderiam ter construído centros de apoio, financiado equipas multidisciplinares, lançado campanhas de prevenção e dado aos madeirenses alguma esperança. Mas não. Em vez disso, continuamos a fingir que o problema não existe. É como se o Governo Regional tivesse decidido que depressão, ansiedade e consumo de drogas são apenas hobbies. Talvez achem que um madeirense mentalmente equilibrado é um madeirense menos manipulável. E isso, convenhamos, não interessa.
Quanto ao acesso aos cuidados de saúde, os tempos de espera são intermináveis, revelador de uma enorme e total ausência de planeamento. Mas os madeirenses deveriam estar gratos, claro. Afinal, quem precisa de ser atendido a tempo quando pode passar meses a saborear a doce expectativa de um diagnóstico?
E depois há a questão dos milhões que podiam, e deviam, ter sido usados para digitalizar o sistema, implementar a telemedicina e, quem sabe, arrastar a Madeira para o século XXI. Mas isso seria pedir demasiado. Para quê simplificar processos ou melhorar a eficiência quando se pode continuar a operar com a mesma burocracia medieval? Modernizar o sistema de saúde seria como admitir que algo estava errado. E todos sabemos que a palavra “erro” não faz parte do léxico do Governo Regional.
A cereja no topo deste bolo azedo é o cinismo com que o executivo insiste em defender-se. “Os problemas são complexos”, dizem. Complexos? Gastar um milhão e 235 mil euros por dia não devia ser assim tão complicado. Podiam tê-lo feito atirando dinheiro pela janela, e talvez os resultados fossem melhores.
Em suma, os quatro mil milhões não foram apenas mal gastos. Foram um monumento à mediocridade, à falta de visão e à perpetuação do desastre. Miguel Albuquerque e Pedro Ramos não governaram a saúde da Madeira. Encenaram-na, transformaram-na num espectáculo de futilidade. O que é verdadeiramente extraordinário é que, com tanto dinheiro, conseguiram fazer tão pouco. E, no fim, ainda exigem aplausos. Se isto não é uma obra-prima da ironia, então o que será?
2. O Novo Hospital
A construção de um novo hospital para substituir uma unidade antiga, em qualquer lugar do mundo, é sempre um processo intrinsecamente complicado, uma teia de problemas técnicos, políticos e administrativos que não se resolve com declarações grandiloquentes ou com um corte de fita no dia da inauguração. Não é apenas uma questão de cimento, mármore e tecnologia de ponta. É, acima de tudo, uma questão de planeamento, de organização e, sim, de política – e disso, nesta terra, sabemos pouco ou nada.
O caso do Hospital Central e Universitário da Madeira, com conclusão prometida para 2027, é um exemplo particularmente ilustrativo da ligeireza com que se encaram estas questões. Estamos em 2025. O hospital está, pelo menos no papel, a dois anos da sua inauguração, e o que sabemos sobre o seu futuro modelo de funcionamento? Nada. O que se conhece sobre os planos de transferência das operações da unidade actual para a nova estrutura? Menos ainda. Tudo isto deveria já estar em marcha, ou pelo menos na fase de debate público, mas não. O Governo Regional, como é seu hábito, limita-se a adiar as perguntas difíceis, como se estas questões pudessem ser resolvidas à última hora, por inspiração divina ou, talvez, com um daqueles milagres que se reservam para as campanhas eleitorais.
Convém lembrar que a transferência de um hospital não é um capricho logístico, mas um exercício de precisão cirúrgica. Mudar equipamentos, pacientes e pessoal de um edifício para outro, sem interromper os serviços essenciais, requer um planeamento detalhado e uma coordenação impecável. Isto implica, entre outras coisas, garantir que os equipamentos chegam em condições, que os doentes são transferidos com segurança e que os médicos, enfermeiros e auxiliares sabem exactamente o que fazer no novo espaço. Não é uma mudança de escritório, é um processo que, se mal feito, pode custar vidas.
Mas se a transferência é uma preocupação óbvia, o modelo de gestão da nova unidade não o é menos. Um hospital central universitário não pode ser gerido como um qualquer centro de saúde periférico. É preciso decidir, desde já, se o modelo será público ou público-privado, definir quem manda, como se avalia o desempenho e como se integra a formação universitária na rotina hospitalar. E tudo isto, claro, devia estar a ser discutido abertamente, porque não é matéria menor. Mas o que temos, em vez disso? Silêncio. Ou pior: aquelas respostas típicas do Sr. Secretário da Saúde, que fala muito e diz nada, um talento muito apreciado nos corredores do poder, mas que, na prática, apenas serve para adiar decisões.
A realidade, como sempre, é que estas coisas não se fazem de um dia para o outro. Não há varinhas mágicas nem atalhos para um projecto desta dimensão. Se o Governo Regional continuar a fingir que o tempo não passa, chegaremos a 2027 com um edifício moderno e brilhante, mas sem qualquer ideia de como o fazer funcionar. E então, inevitavelmente, virão as desculpas, os ajustes apressados, as queixas dos utentes e o habitual desfile de culpas distribuídas pelos outros.
O Hospital Central e Universitário da Madeira é, teoricamente, uma oportunidade para reformar e melhorar o sistema de saúde regional. Mas para que isso aconteça, é preciso mais do que tijolo e betão, é preciso pensar, decidir e planear. E essa, infelizmente, parece ser uma tarefa acima das capacidades do Governo Regional, que continua a gerir o futuro da saúde na Madeira com a mesma competência com que um marinheiro inexperiente tenta pilotar um navio em mar revolto. E somos nós, os madeirenses, os passageiros dessa viagem incerta.
3. Voto Antecipado e em Mobilidade
A Assembleia da República aprovou as alterações à Lei Eleitoral Regional que vão permitir, entre outras coisas, votar antecipadamente e em mobilidade. Pela minha parte é inevitável olhar para esta pequena vitória com uma mistura de satisfação e melancolia. Não porque o voto antecipado e em mobilidade não seja um progresso óbvio. É. Mas porque demorou tanto tempo a chegar. Como é habitual nesta ilha tão enfeitiçada pelo atraso, foi necessária a presença de um liberal, pela primeira vez, na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, para que uma ideia tão elementar pudesse ser levada a sério. Foi bandeira em duas campanhas eleitorais e agora sabe muito bem olhar para o que alcançámos (todos os partidos) com esta tão necessária alteração.
Foi preciso cerca de um ano e meio de trabalho. Não de discursos. Não de encenações mediáticas. Trabalho sério e discreto em sede de Comissão Parlamentar, onde todos juntos acertámos nestas alterações. Só assim este pequeno avanço democrático pôde sair do papel. O que começou como uma proposta da Representação Parlamentar da Iniciativa Liberal obrigou até os espíritos mais cínicos a reconhecer a óbvia necessidade de alterar a Lei Eleitoral. Pela primeira vez, os madeirenses podem, sem depender de circunstâncias externas ou do capricho do calendário, votar com mais liberdade, mais tempo e menos constrangimentos.