Crónicas

O bom, o mau e o abesbílico

“É como comprar um automóvel sem motor, uma moto sem rodas ou uma bicicleta sem pedais”, foram os epítetos que o Tribunal de Contas encontrou para classificar a compra pela Transtejo de 10 modernos navios, 100% elétricos, sem as correspondentes baterias. Conclusão: o ajuste direto das baterias a uma empresa espanhola foi chumbado pelo Tribunal. Passados alguns meses, a Transtejo finalmente adquiriu as desejadas baterias, com duas pequenas curiosidades.

Primeira, o vencedor foi, sem grande surpresa, a mesma empresa espanhola. Segunda, as baterias custaram mais milhão de euros em relação à primeira tentativa de compra. E os barcos? Esses ainda estão para chegar ao Tejo.

O bom: Fractal Funchal Fest

Basta ouvir o entusiasmo na voz da Carolina Caldeira, para perceber a razão do sucesso do Festival Fractal. Só assim é possível regressar, cinco anos após a primeira edição, com a mesma vontade, genuína e inabalável, de quem parece estar a organizar tudo pela primeira vez. Talvez seja esse o principal apelo do Fractal – não é um festival de cinema, não é um festival de música, não é um festival de arte e, ao mesmo tempo, é um pouco de tudo isso. O encanto da ausência de formato permite que, ano após o ano, o festival se reinvente e comece do zero. Este ano, continuará a haver cinema, pela mão do Pedro Pão, desta feita numa fábrica de bordados em ruínas na Rua das Mercês. Haverá arte e inteligência artificial no Museu de Fotografia da Madeira – Atelier Vicente’s, residências artísticas na Casa Museu Frederico de Freitas e no Museu Henrique e Francisco Franco, curtas metragens no Colégio dos Jesuítas e flores espalhadas pelo Funchal. O Fractal dispensa cartão de visita ou bilhete de entrada, mas se lhe pedissem apresentar-se-ia assim: “tem filmes e flores, viaja ao passado e pensa no futuro, escreve cartas de amor e desamor a esta cidade amarela, posa para uma fotografia e ainda convida a um pezinho de dança”. De 22 a 29 de Setembro.

O mau: Carlos Pereira

Para o PS, o Natal chegou em Setembro. Pelo menos terá sido imbuído do espírito natalício que o primeiro-ministro anunciou um conjunto de prendas governativas para os mais jovens. Obviamente, a queda, para quase metade, das intenções de voto no PS dos eleitores mais jovens, precisamente os destinatários das anunciadas benesses socialistas, terá sido apenas uma feliz coincidência. Há, assim, prendas para todos os gostos. Um cheque-livro para quem completar 18 anos. Quatro bilhetes de comboio e uma semana de férias nas pousadas da juventude para quem completar o 12.º ano. Passes de transporte público gratuitos para todos os estudantes, seja qual for o seu rendimento. E, por fim, a prenda grande. A devolução das propinas por cada ano de trabalho em Portugal. Ao anúncio seguiu-se o habitual coro socialista, não só a elogiar a medida, mas a transformá-la naquilo que ela não é. À cabeça do coro, em falsete estridente, Carlos Pereira declarou que teriam acabado as propinas em Portugal. Não uma, mas duas vezes. A matéria não é política, não está sujeita a interpretação, nem permite discussão. Não se trata de discutir se uma medida residual – como a potencial devolução de 58 euros por mês, durante três anos - resolverá um problema estrutural como a saída de licenciados de Portugal. Trata-se de um facto inegável – as propinas não acabaram em Portugal. É grave que um deputado, especialmente com a experiência e responsabilidade de Carlos Pereira, alinhe e amplifique tão evidente desinformação. Ainda estamos em Setembro, mas a expressão “Acabaram as propinas em Portugal”, como afirmou Pereira, segue na liderança para a melhor piada do ano.

O abesbílico: António Costa

Não deve ser fácil surpreender um primeiro-ministro. Especialmente um como o líder socialista – político frio, experiente e matreiro. Mas terá sido assim que ficou António Costa à chegada a Machico para o início da campanha eleitoral do PS. Abesbílico. Atónito. Provavelmente boquiaberto, alcançado, talvez, até, espantado. Primeiro com o curto e apressado passeio pelo centro de Machico, a que os mais atrevidos apelidaram de arruada. Desencanto apenas ultrapassado pela constatação que o reduzido número de participantes oferecia ao desfile político o ritmo fúnebre e vagaroso de um velório. Mal sabia António Costa o que ainda estava para vir. Da rua para uma sala fechada. Longe vão os tempos em que, como em 2019, também em Machico, o primeiro-ministro era convidado para brilhar em cima de um palco, de onde ensaiava saltinhos e disparava sonantes promessas eleitorais. Em 2023, nem palco, nem promessas e nenhum salto registado. Restou apenas o sobressalto do secretário-geral do PS perante o peculiar ajuntamento socialista, feito para consumo interno e em jeito de catarse coletiva, que até permitiu recuar ao Orçamento de Estado de 1995 para lembrar como os madeirenses devem, curvados e de chapéu estendido, agradecer a solidariedade do PS. O recalcamento socialista foi tão profundo, que obrigou Sérgio Gonçalves a lembrar à plateia que ninguém era mais madeirense do que ele. Depois de tantas aleluias cantadas à República, até António Costa terá ficado na dúvida se o cabeça de lista do PS seria mesmo da Madeira.