Crónicas

Adeus e até ao meu regresso…

1. Música: ouçam muito, ouçam tudo o que vos apetecer.

2. Livros: deixo aqui umas referências do que tentarei ler durante este verão sem férias. “A Psicologia das Massas”, de Gustave Le Bon, escrito há mais de cem anos, sobre o modo como nos comportamos em grupo; “Corruptíveis”, de Brian Klass, as relações do poder com a corrupção; “Mortos Pelo Governo”, de R. J. Rummel, como os estados matam os que deviam proteger; e “Cinco Esquinas”, de Mario Vargas Llosa, os anos Fujimori no Perú. O importante é que leiam.

3. Serei candidato pela Iniciativa Liberal às Eleições Regionais de 24 de Setembro. Como sempre fiz em circunstâncias semelhantes, suspendo a minha colaboração com o Diário, pois considero que não pode ser de outra maneira. Com pausas, escrevi, nestes quase sete anos, 257 crónicas. O prazer foi imenso e nada me impede, no futuro, de poder voltar. Haja para isso vontade de quem gere os assuntos destas páginas.

4. Reservo esta última crónica para deixar aqui textos que escrevi e que nunca publiquei. Sem destino e ao sabor da vontade.

5. Ninguém duvide de que as redes sociais deram voz a uma mole de pessoas que nunca a tiveram, e que boa parte dela é ignorante, grosseira e faz dos insultos, mentiras e estupidez a sua forma de se manifestar. Em certo sentido, é verdade que os idiotas encontraram o seu ambiente natural nas redes sociais, e também que as suas opiniões, quando repetidas por um número suficiente de pessoas, são influentes por maior que seja o absurdo que dizem.

As redes sociais potenciam a polarização, a discussão sem sentido, o anonimato, a cobardia. Perfis falsos, “trolls” e “bots” impedem o conhecimento online, enganando, encorajando o cepticismo equivocado e interferindo na aquisição de garantias relativas a pessoas e conteúdos encontrados online. A ameaça que perfis falsos, “trolls” e “bots” representam para a aquisição de conhecimento vai além da mera ameaça de desinformação online, ou a ameaça mais familiar representada por mentirosos “offline”.

Interferem sistematicamente na aquisição de saber, manipulando os sinais pelos quais os indivíduos adquirem conhecimento.

Se têm muitas coisas boas, também têm o seu “dark side”.

6. Os ismos devem ser mais do que as mães. Há-os para tudo e para todos os gostos. Houve quem os contasse e são mais de 200. Uns são religiosos, outros políticos, uns lógicos e outros absurdos. Curiosamente, para muitas pessoas vivemos numa era pós-ideológica. Fukuyama quis matar a história e a maior marca que deixou foi uns tantos seguidores que mataram a ideologia. O bom agora é falar de teorias, que são os novos ismos, e não de ideologias, que são os velhos modos de pensar.

Para muitos é melhor ter uma teoria, do que ter uma ideia. No entanto, a análise conceptual e a crítica ideológica continuam a ser os melhores modos de concluir. É que sem concluir não se pode fazer.

Continuamos a precisar das ideologias, não apenas para enquadrar as explicações políticas, mas também como matéria-prima dos pressupostos políticos e morais.

Pelo-me por uma boa discussão carregada de preceitos ideológicos.

7. Tenho de Deus uma perspectiva judaica. Não sei se isso advém da minha costela de cristão-novo, se de um relacionamento que fui criando com ele de parceria.

Pode soar a blasfémia, mas Deus é um pouco de mim. Acompanha-me sempre, porque em mim. Penso mesmo que temos todos um quê de divino. Porque assim o entendo, tenho a certeza da divindade que reside nos outros. É por isso que se todos formos criando a habilidade de nos admirarmos reciprocamente, estaremos no caminho correcto para um mundo melhor. Porque da admiração vem o respeito e do respeito o amor.

Não há dia em que com Ele não fale. E são conversas que por vezes passam além do cordato. Dos assuntos do dia-a-dia, aos de cariz mais filosófico. De tudo falamos. E não é um falar de mim para mim como se poderia pensar. São verdadeiras conversas entre duas entidades que porfiam o mesmo caminho. Entre duas entidades onde uma procura orientar a outra dando-lhe a capacidade de poder escolher as vias a seguir, os caminhos a trilhar.

É o livre arbítrio que nos guia. Esse “terrível” poder que Deus nos deu de sermos responsáveis pelas nossas decisões, de delas colhermos os benefícios ou prejuízos, como tão bem explica Santo Agostinho em “De Libero Arbitri”. Se Agostinho diferencia e considera o livre arbítrio a possibilidade de escolhermos entre o bem e o mal, e a liberdade o bom uso do mesmo, para mim tudo isto se mistura.

Se houvesse que definir um lugar onde colocar a alma, esta residiria entre o coração e a cabeça. O coração que sofre e se alegra, o coração dos estados de espírito que coabita no mesmo corpo com a razão, o conhecimento, o lado que comportamos como mais racional.

É a súmula de tudo isto que forma aquilo que somos, o que representamos: entidades únicas e irrepetíveis condenadas a se entenderem em paz e pela solidariedade sob pena de um dia deixarmos de ser.

E a culpa não será certamente de Deus.

8. Vivemos a nossa vida com uma forma muito particular de cegueira congénita: quando nos aproximamos do abismo que qualquer grande mudança representa, conseguimos sempre ver, e com terrível clareza, o que temos a perder. O que numa conseguimos entender é o que temos a ganhar. Isto é parte da nossa história. As grandes transformações nunca foram feitas pelo conjunto, mas por uns quantos que conseguiram ver para além do precipício. Enchemos o desconhecido diante de nós com medo da perda em vez de o fazermos com a alegria sobre o ganho potencial. Ficamos inertes e acomodados com o que temos, rejeitando o que podemos ganhar. Não somos muito dados ao “experimentar”.

9. Não resisto a esta última alfinetada: leu-se nestas páginas que 50 famílias do Funchal receberam apoio para materiais de construção. A Câmara do Funchal dá o dinheiro a uma associação de Santo António chamada ASA e, depois, esta distribui o apoio da maneira que achar ser a melhor. Nem vou perguntar quais os critérios aplicados para fazer essa distribuição, que, não sendo a CMF a fazê-la, poder ser feita inopinadamente a quem se quiser.

Mas concedo que os critérios sejam apertados e justos. O que me faz espécie é esta constante necessidade de expor as pessoas. Como se de troféus se tratassem. As pessoas precisam. Precisam porque são pobres. Ao fim de 50 anos de Autonomia estas coisas fazem-me imensa impressão. Faz-me impressão ainda haver esta necessidade. Revolta-me esta necessidade de mostrar publicamente quem precisa. De sujeitar estas pessoas a uma visibilidade desnecessária. Bem sei que estas cerimónias são feitas para mostrar os políticos, o quão bonzinhos são.

Ajudem quem precisa, porra, mas é escusado esta espécie de Jardim Zoológico de caridade feita com o dinheiro dos outros.

Como contribuinte não me chateio que o meu dinheiro seja usado nestas coisas. Não admito é esta agressão perpetrada contra quem precisa, expondo-os publicamente.

Haja decência.