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Grupo Wagner sobreviverá num novo formato

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Um grupo de especialistas do International Crisis Group acredita que o grupo russo de mercenários Wagner irá sobreviver, mas defende que não poderá manter-se no mesmo figurino, após a rebelião abortada do passado sábado.

"O Grupo Wagner não pode continuar como existia até agora. Mas tudo indica que o grupo não irá desaparecer, podendo reinventar-se com outro formato, menos dependente do Kremlin", defendeu Oleg Ignatov, analista sénior para a Rússia daquele instituto transnacional, durante um 'webinar' que decorreu hoje e em que a agência Lusa participou.

No sábado, o líder do grupo paramilitar Wagner, Yevgeny Prigozhin, reivindicou a ocupação de Rostov, cidade-chave no sul da Rússia para guerra na Ucrânia, e apelou a uma rebelião contra o comando militar russo, que acusou de atacar os seus combatentes.

O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, qualificou a ação do grupo paramilitar de rebelião, acusando os seus organizadores de traição e prometendo uma amnistia a quem aceitasse integrar as forças regulares russas ou procurasse exílio na Bielorrússia, que serviu de mediador num acordo para travar a iniciativa.

Pauline Bax, diretora-adjunta do programa para a África do Crisis Group, acredita que, apesar das ameaças de Putin, o Grupo Wagner continuará a existir, em particular com a sua presença no continente africano.

"Em África, do que temos observado, nada parece ter mudado. A presença do Grupo Wagner mantém-se nos vários palcos de batalha e tudo indica que os mercenários irão continuar as suas tarefas", defendeu Bax.

O Grupo Wagner tem auxiliado vários governos africanos a combater grupos rebeldes ou, noutras situações, tem-se associado aos rebeldes contra as forças governamentais, a soldo do Kremlin e dos interesses das autoridades russas.

Bax recorda que esta semana, o Governo da República Centro-Africana -- que tem sido auxiliada pelos mercenários russos no combate contra os rebeldes -- afirmou que o seu acordo com o Kremlin se mantém.

O regime do Presidente Faustin-Archange Toudéra estabeleceu um acordo com o Kremlin, em 2018, que permite às tropas governamentais centro-africanas contar com cerca de um milhar de mercenários do Grupo Wagner para ajudar a combater os rebeldes, numa guerra civil que está longe de estar controlada.

"Também na Líbia, no Mali e no Sudão a presença do Grupo Wagner parece estável, nos últimos dias, dando sinais de que nada mudará na presença destes mercenários em África. E isso só me parece possível se houver garantias de que a hierarquia do grupo está estável e sob controlo do seu líder", explicou Bax.

Para Olga Oliker, diretora do programa para a Europa e Ásia Central do Crisis Group, a perceção de que o Grupo Wagner se mantém forte fica reforçada pelo nervosismo com que foi recebida a notícia da rebelião pelas autoridades de Moscovo.

"Ficou a ideia de que foram apanhados de surpresa, apesar dos vários sinais e avisos de que Prighozin não estava satisfeito com a resposta do Kremlin aos pedidos de munições e de alterações na estratégia de guerra na Ucrânia", disse Oliker.

Também Simon Schlegel, analista para a Ucrânia do instituto, acredita que este efeito surpresa da rebelião é mais uma prova de que o Kremlin "continuava a acreditar na lealdade de Prigozhin".

"A partir de agora, com a quebra de lealdade assumida por Putin, o Grupo Wagner terá de se reinventar, para sobreviver", argumentou este especialista, acrescentando que há agora vários cenários para uma nova vida destes mercenários.

Oleg Ignatov lembra que o Grupo Wagner não é o único movimento de mercenários a soldo do Kremlin, mas continua a ser o maior e quer tornar-se ainda mais poderoso.

"Não podemos esquecer que Prigozhin pediu a Putin para aumentar o efetivo do Grupo Wagner para 300.000 homens, logo após a ida dos mercenários para a Ucrânia, em março do ano passado. Nunca soubemos a resposta do Presidente russo, mas sabemos que o líder do grupo não ficou satisfeito com a forma como o Kremlin o tratou desde então", disse Ignatov.

Putin permitiu a Prigozhin o recrutamento de mercenários nas prisões russas, mas pouco depois retirou-lhe essa prerrogativa e, recentemente, quis desmantelar o Grupo Wagner, pedindo aos seus elementos para se inscreverem nas forças regulares.

"Mas todos esses prisioneiros atuaram apenas na Ucrânia. Por exemplo, em África, o Grupo Wagner não tem ex-reclusos a combater. Para mim, isso prova que a invasão da Ucrânia iniciou uma nova fase para o grupo, que implica alterações cujas consequências não somos capazes de prever", disse Pauline Bax.

No final da conversa em formato 'webinar', os quatro analistas concordaram que a rebelião abortada do passado sábado não deve ser lida como o reconhecimento do fim do Grupo Wagner, nem pode ser interpretada como uma cedência de Putin à sua influência.

"Até agora sabíamos que o Grupo Wagner era uma extensão das tropas russas. Agora, não sabemos o que será. Mas acredito que continuará a ser um influente grupo de mercenários", concluiu Ignatov.